Quando se fala em saúde mental de crianças e adolescentes, logo se pensa naquele garoto ansioso pela pressão da família, muitas vezes ausente e disfuncional, por conta da busca da manutenção de vida de classe média.
No menino é depositada a expectativa de estudar bastante em escolas particulares e passar para a universidade pública. Em seguida, construir sua brilhante carreira, sair da casa dos pais, casar e formar sua família, se tornando assim o “cidadão de bem” esperado.
Já para a criança e o adolescente da favela, sem perspectivas, lar disfuncional, ausência familiar pelas horas de exploração na busca pelo pão de cada dia, trocando suas horas de vida por miséria.
Essa criança deita no chão da sala de aula a cada tiroteio, sendo testemunha ocular das barbáries denunciadas diariamente na TV.
Mas esse papo saúde mental é coisa de rico. Pobre é forte, “segura a onda”, não tem escolha.
Ainda que opostos entre si, aquele que detém todas as condições materiais e aquele que não tem nenhuma, eles carregam em si emoções diversas, complexas e quase sempre doloridas que não podem e nem devem ser ignoradas e negligenciadas, pois ambos vivem em sociedade, e é nela que os reflexos da omissão se mostram de forma direta.
São os Meninos, e os Falcões.
O Menino quando apanha no condomínio, chama o pai. O da favela? Ou corre ou apanha! E se chegar em casa chorando, apanha de novo.
Alguns pais, sejam de Meninos ou de Falcões (quando presentes) ou são explorados nas fábricas, obras, no sol, ou correm atrás das metas exigidas pela empresa, descontando suas frustrações em casa.
O filho desde cedo conhece uma nova função para o cinto além de segurar as calças, e é apresentado à fragilidade e ao medo de ser criança muito cedo, passando a querer que passe logo, para que ele possa descansar. A vida machuca...
O Menino na escola bilíngue é diagnosticado pela psicóloga que sugere que o rebento vá treinar jiu-jitsu. O Falcão vai aprender nas vielas da favela que a vida não é morango e que camarão que dorme a onda leva.
Na favela, para que a adolescência e a alegria não se tornem a antítese um do outro, o esforço é diário e cansativo.
É no baile funk que Meninos e Falcões se encontram. Só que ali finalmente o Falcão pode, por um segundo, olhar de cima plantado de peça na mão. Lá, o Menino é seu cliente.
E as Meninas do condomínio? Tão fragmentadas emocionalmente quanto o Falcão, muitas vezes o admiram e desejam.
No morro, Meninos querem ser Falcões, e Falcões querem ser Meninos.
É um erro resumir a conexão da juventude com o crime como uma condição só ligada à pouca estrutura financeira, pouca escolaridade e ao escasso acesso à saúde e cultura.
O ser humano á muito mais complexo do que isso.
Falcão engole o choro, na favela a chapa é quente. E o preço por buscar se encaixar no grupo formado por outros como ele raramente tem um final feliz.
Falcão não pode dormir.
Já para os Meninos, a época de rebeldia vira anedota, em divertidos banquetes abundantes em bebidas e sedativos não mais adquiridos nas mãos do agora distante Falcão.
Agora eles têm entrega em domicílio.
Mas, dessa vez, esbravejam a cada cafungada: “Falcão bom, é Falcão Morto!”
*Fábio Bezerra Cardoso é educador popular

