O deputado, e bispo da IURD, Marcelo Crivella, é o autor da proposta de ampliação tributária das igrejas - Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Uma coisa é o governo se render aos fatos, à vida como ela é, e não como gostaria que fosse, e não conseguir deter o avanço da bancada evangélica sobre premissas republicanas e iluministas, tal como a laicidade do Estado. Outra bem diferente, e deplorável, é parcela expressiva do campo progressista naturalizar esses retrocessos e não refletir seriamente sobre alternativas de reação.
Em mais um capítulo desta louca cavalgada, nesta terça-feira (27), uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou a ampliação da imunidade tributária de igrejas e templos religiosos. O autor da proposta é o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella, agora deputado federal. O texto, que já havia sido aprovado pela CCJ, em setembro do ano passado, deve ir a plenário antes da semana santa.
Cabe destacar o festival de privilégios tributários descabidos contidos nessa PEC. Além das igrejas e templos religiosos, ela estende a imunidade tributária a entidades como orfanatos, hospitais, creches e comunidades terapêuticas ligadas às instituições religiosas.
E também livra do pagamento de impostos despesas com obras e restauração de igrejas. Mas as benesses às custas do erário não ficam por aí. A proposta prevê devolução de tributos pagos indiretamente nas contas de luz ou serviços de reforma, além de proibir governos de criar impostos sobre a aquisição de bens por essas entidades.
Causa apreensão saber que a voracidade da bancada evangélica, apoiada em algumas proposições por parlamentares que professam outras religiões, está longe do arrefecimento.
O quer virá por aí?
Temos o direito de imaginar todo tipo de barbaridade. Será que vão querer obrigar a União a pagar os vencimentos dos pastores? Ou incluir na lei dispositivo permitindo aposentadoria especial para os missionários? Ou conceder direito a porte de arma aos pregadores do Evangelho?
Pelo andar da carruagem, nada pode ser descartado em termos de violação do conceito republicano.
Sabemos que a origem desse e outros tantos males está na maioria atrasada, reacionária e trevosa do Congresso Nacional. Não pode haver prioridade maior para o campo progressista, no plano institucional, do que eleger bancadas mais numerosas de deputados e senadores, já em 2026.
Está aí um desafio gigantesco e extremamente complexo, pois a definição de voto do eleitorado brasileiro é produto de inúmero fatores, que vão baixo nível de consciência social e política à pressão de milicianos, da influência dos mercadores da fé às ameaças do crime organizado, da falta de compreensão do valor do voto para o Legislativo à força do dinheiro nas eleições, dentre outros.
Nunca nada foi fácil para os que lutam por uma sociedade mais justa e igualitária. É hora de arregaçar as mangas e enfrentar esse monstro de múltiplas cabeças.