Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Experimente conversar com motoristas de aplicativos sobre o projeto de lei do governo, para regulamentar minimamente este tipo de trabalho. Desde que o PL foi encaminhado ao Congresso Nacional, já usei Uber ou 99 cinco vezes. Estou impressionado com o nível de rejeição à proposta, mesma sensação relatada pela minha mulher ao utilizar esses serviços.
"Nós somos autônomos e não queremos regulamentação."
"Estão querendo é criar um novo sindicato, para a gente sustentar."
"Lula quer acabar com o Uber no Brasil,"
"Vamos fazer uma greve para impedir que o projeto seja aprovado."
Essas são as frases que mais ouço. Tento argumentar com os benefícios do projeto: direito à previdência social caso adoeçam, com o recolhimento de 7,5% por parte dos trabalhadores e 20% a cargo das plataformas; liberdade para trabalhar em quantas plataformas quiser; R$ 32,90 por hora trabalhada, garantindo uma renda mínima de R$ 1.412; auxílio-maternidade para as mulheres.
Em vão. Vivemos em uma sociedade doente, com boa parte das pessoas contaminada pelo vírus da extrema-direita. Razão e racionalidade passam ao largo de milhões de brasileiros atolados até o pescoço em uma realidade paralela.
Se fosse em outros tempos, o governo estaria sendo aplaudido. Agindo de forma republicana e ciente de que está diante de um problema complexo, debateu o assunto por longos meses em uma comissão tripartite (trabalhadores, empresários e governo).
Durante as discussões, percebeu que estava bloqueado o caminho para a regulamentação plena, tipo CLT, pois, além da resistência dos donos das plataformas, os próprios trabalhadores demandavam autonomia. Daí o modelo híbrido proposto.
Por ser muito incipiente, a representação dos motoristas sofre ainda de baixa representatividade no seio de uma categoria extremamente bolsonarista. Isso, com certeza, fez com que o projeto já nascesse enfraquecido.
Mas esse não é um problema exclusivamente brasileiro, mas de muito países. Capturados pela cantilena ultraliberal, esses trabalhadores precarizados se sentem empreendedores. Na prática, são sub-trabalhadores, desprovidos dos direitos e garantias mais elementares.
Pelo visto, o horizonte para a tramitação deste projeto não é nada promissor. Se for derrubado pelo Congresso conservador e reacionário, derrota do governo. Se for modificado sob o prima neoliberal, com o apoio dos motoristas, louros para o Centrão e a extrema direita e revés do governo. É pouco provável que deputados e senadores aprovem o PL nos termos propostos pelo Planalto.
Imaginar, porém, uma forma de o projeto ter sido concebido com mais respaldo entre os trabalhadores remete a uma discussão bem mais profunda e ampla, que envolve o notório déficit de atuação nas redes sociais por parte do governo, do PT, do conjunto da esquerda e dos setores progressistas.
A resistência dos motoristas de aplicativo a um projeto que só os beneficiaria, levanta outro debate.
Pode até parecer cruel, mas é algo a ser pensado: será que o governo de um país com a dívida social que ainda temos e com a necessidade de investir um volume crescente de recursos, para fazer a economia crescer e gerar emprego e renda, deve mesmo gastar energia política com um segmento de trabalhadores que faz questão de ser explorado?