As manifestações de Lula depois que saiu da prisão sobre eventuais táticas eleitorais do PT têm esquentado o debate sobre a participação da esquerda nas eleições municipais de 2020 e nas nacionais de 2022. Primeiro, dou a minha opinião sobre a real intenção de Lula ao abordar o assunto.
Claro que como uma liderança que respira política 24 horas por dia, o ex-presidente não se furta a visualizar cenários e projetar possibilidades eleitorais de curto e médio prazos. Mas a impressão que fica neste momento é a de que ele fala para seu partido como um general ávido por colocar ordem na casa e levantar o moral da tropa. O passo seguinte será negociar com os parceiros de trincheira.
Isto posto, parece-me equivocado transportar mecanicamente o discurso de Lula sobre o protagonismo do PT e a necessidade de o partido seguir como uma das pontas da polarização político-eleitoral do país, o que acontece desde 1989, para as eleições de 2020, que elegerá prefeitos e vereadores.
O que Lula disse sobre a necessidade candidatura própria do PT a presidente é apenas a constatação do óbvio: é praticamente impossível para um partido das dimensões e da importância do PT abdicar de ter candidato à presidência da República.
Contudo, sou capaz de apostar que essa fala de Lula está longe de significar um chamamento ao lançamento de candidaturas próprias a prefeito em capitais e grandes cidades nas quais o mais recomendável é o apoio candidatos de outros partidos de esquerda.
Duvido que Lula, formulador e estrategista político de mão cheia, que enxerga longe, menospreze a unidade da esquerda como elemento central para atravessar a tormenta e derrotar o bolsonarismo.
No Rio de Janeiro, por exemplo, o deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL - se tiver o apoio do PT e de Lula, além da deputada Benedita como candidata a vice - concorre com chances reais de vencer a eleição para a prefeitura, na medida em que reforça sua musculatura na área popular, seu atual calcanhar de Aquiles.
O tempo do PT na propaganda eleitoral de rádio e TV também contribuiria para ampliar o cacife eleitoral de Freixo, bem como o quinhão destinado ao partido no fundo eleitoral. Ganhar a eleição no Rio, tanto pela vitrine política que é a Cidade Maravilhosa como pelo fato de ser o município onde Bolsonaro reside e tem domicílio eleitoral, representa quebrar um dos pilares de sustentação do governo fascista.
Na minha visão, o lançamento de uma candidatura própria do PT no Rio, a partir de uma interpretação enviesada das palavras de Lula, seria um elemento pertubador e desnecessário para a construção da unidade das forças de esquerda.
Já andei escrevendo que o desafio dos democratas, progressistas e socialistas dever ser impor a Bolsonaro em 2020 uma derrota do tamanho que o velho MDB impôs à ditadura em 1974, quando venceu a eleição para o Senado em 16 dos 22 estados em disputa.
Mesmo se tratando de uma eleição de caráter municipal, o pleito de 2020 reveste-se de inegável importância política e simbólica, já que é o primeiro teste eleitoral do bolsonarismo depois de ter chegado ao poder.
Além de obviamente debater as cidades e propor soluções para os inúmeros problemas urbanos, sempre do ponto de vista do interesse popular, o desafio é também conferir caráter nacional às campanhas nas capitais e demais municípios populosos.
Penso que ambições pessoais legítimas e projetos de afirmação e crescimento partidário devem ser submetidos ao crivo pragmático da avaliação das chances concretas de vitória. Não é fácil, sabemos todos. Anda mais agora diante de mais um obstáculo adicional para a unidade, que é a proibição das coligações proporcionais, o que reforça o argumento pró-candidaturas próprias nos partidos.
Vai ser preciso muita sabedoria política, cabeça estratégica e desprendimento. Nunca foi tão importante lançar candidatos para vencer, e não para marcar posição.
E cada dia com sua agonia. A hora é de cuidar de 2020. 2022 fica para depois.