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A rotina do medo onde soldado foi morto

Por BBC Brasil                     

 

Sob os holofotes da mídia após a morte do soldado da Força Nacional Hélio Andrade, de Roraima, baleado na cabeça ao entrar por engano na favela da Vila do João, no Rio de Janeiro, o Complexo da Maré vive "sob medo constante", com tiroteios e operações da polícia às vésperas e durante a Olimpíada, relatam moradores ouvidos pela BBC Brasil.
Segundo eles, a mídia colocou a Maré nas manchetes momentaneamente devido à repercussão do caso ocorrido durante o megaevento, mas para as cerca de 140 mil pessoas que moram no complexo de 16 favelas os últimos meses têm sido de violência praticamente cotidiana.
Tida como uma das favelas mais complexas do Rio, a Maré abriga três facções criminosas rivais - Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigos dos Amigos (ADA) - além de milícia. O complexo fica entre o Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) e o centro da cidade e próximo às três avenidas expressas mais importantes do Rio - avenida Brasil, Linha Vermelha e Linha Amarela.

Hélio Andrade não foi o primeiro a ser atacado ao entrar por engano na favela da Vila do João. Motoristas que seguem orientações de GPS já acessaram o local no passado. Pela proximidade com a Linha Amarela e a sinalização ruim, a entrada da favela pode ser confundida com um retorno à avenida expressa.
Em junho deste ano, um casal teve o carro baleado cinco vezes ao seguir o GPS e entrar no local por engano, mas, apesar dos ferimentos, nenhum dos dois morreu. Em 2013, o engenheiro Gil Augusto Gomes Barbosa foi baleado e morto por ter errado o retorno e entrado na Vila do João quando dirigia para o aeroporto internacional para buscar sua mulher.

A BBC Brasil entrou em contato com a Secretaria de Estado de Segurança do RJ e o Comando Militar do Leste (CML), mas as notas enviadas não deixaram claro que tipo de presença as forças de segurança mantêm na entrada da Vila do João. Segundo nota enviada, a Polícia Militar atua em "16 pontos de baseamentos" na comunidade, "fazendo um cinturão de segurança que cobre os acessos às comunidades da Maré".
Já o CML disse à reportagem que "as Forças Armadas atuam em cooperação e articulação com os órgãos de segurança pública durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos" em locais determinados.
Entre os locais mais próximos à Maré listados pelo CML estão "desde o Hospital da Força Aérea do Galeão até o entroncamento com a Linha Vermelha e da Linha Amarela até o cruzamento com a Linha Vermelha com a Linha Amarela". Acessos à favela não foram listados como locais de operação das Forças Armadas.
Na noite do dia 9, no entanto, a viatura da Força Nacional com três policiais que erraram o caminho entrou na Vila do João e foi recebida a tiros por traficantes.
Edson Diniz, um dos diretores da ONG Redes da Maré, que morou 40 anos na comunidade, disse à BBC Brasil que falta sinalização e atenção ao local. "Deveria haver um trabalho mais intenso de sinalização de trânsito ali, indicando o caminho para evitar casos como esses", afirma.
'Medo constante' e violência apesar dos Jogos
"Você se prepara para sair de casa e ouve que o caveirão do Bope está numa rua, depois em outra. Não tem como saber onde vai ter tiroteio. Não tem como saber se você vai chegar vivo. É um medo constante", diz Luiza Silva, de 22 anos, nascida e criada na Maré, que pediu para ter seu nome modificado.
Para a estudante, houve uma intensificação das incursões da polícia na comunidade nos meses de junho e julho, às vésperas dos Jogos. Após a morte do soldado da Força Nacional, uma operação da polícia deixou um morto e ao menos três feridos na favela.

"Como sempre a resposta foi uma operação truculenta, com quase 200 policiais, e não só na Vila do João, na Maré inteira. Tanto que uma pessoa morreu na Nova Holanda, muito longe de onde tudo aconteceu", diz Edson Diniz.
Para o fotógrafo Bira Carvalho, que mora há 40 anos na comunidade, há uma aceitação dos tiroteios em favelas como algo "normal". "O Estado e a sociedade veem os territórios de favela como um problema, e a imprensa no Brasil virou as costas para essas vidas perdidas, tanto de policiais quanto de moradores de favela", diz.
Para Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, há uma discrepância entre o "Rio da Olimpíada" e o "Rio que ninguém quer mostrar".
"De um lado temos a tranquilidade trazida pela forte militarização nas áreas da Olimpíada, e do outro as cenas absolutamente dramáticas para quem mora nas favelas do Rio, que têm acordado com tiroteios todos os dias. De um lado a presença massiva de forças de segurança, e do outro essa higienização", avalia.

'Vácuo', UPP e Olimpíada
Em seu ciclo de quase dez anos de megaeventos, o Rio acostumou-se a solicitar auxílio das Forças Armadas para garantir a segurança, e duas diferentes estratégias já foram utilizadas na Maré.
Na Rio+20 houve o cerco, quando as entradas e saídas da comunidade são monitoradas de forma ostensiva, com tanques de guerra e montagem de "checkpoints" em que os moradores precisam mostrar documentos e podem ser revistados.
Na Copa do Mundo, a favela foi ocupada por cerca de 3 mil membros de diferentes grupos das Forças Armadas. A ocupação durou pouco mais de um ano e a ideia era que fosse substituída por uma UPP.
Já na Olimpíada, o diretor da ONG Redes da Maré, Edson Diniz, afirma que nenhuma das duas estratégias foi montada. "Não vimos o cerco ostensivo e nem a ocupação. O policiamento local continua como sempre é feito e o Exército está em alguns pontos das avenidas expressas", diz.
Ainda no ano passado, quando as tropas militares deixaram a favela, a promessa do Governo do Estado do RJ era de que haveria a instalação da UPP da Maré. Um ano depois, no entanto, o secretário de segurança do Estado do RJ, José Mariano Beltrame, oficializou que o projeto não tinha data para se concretizar.

Para Edson Diniz, da Redes da Maré, embora a ocupação das Forças Armadas tenha trazido problemas graves tanto para os soldados quanto para os moradores, incluindo confrontos e mortes, o vácuo de segurança deixado entre a saída dos militares e a não concretização da UPP elevou a instabilidade na favela.
"Sem Exército nem UPP, houve um vácuo que significou o fortalecimento dos grupos que operam aqui dentro, a volta das incursões da polícia, que sempre podem gerar tiroteios e mortes dos dois lados, e a manutenção da lógica de guerra", diz.
Com a crise no Estado, a avaliação de moradores e especialistas é de que a UPP da Maré dificilmente se concretize.
"A situação na Maré não está excepcionalmente violenta agora. É uma área de violência constante, e toda a estratégia das UPPs faliu junto com o Estado, a ponto de ninguém acreditar muito na capacidade deste projeto ser recuperado", diz José Augusto Rodrigues, pesquisador do Laboratório de Análise de Violência da UERJ.
Em março deste ano, José Mariano Beltrame anunciou cortes de R$ 2 bilhões do orçamento de segurança do RJ, o que equivale a 32%.
"Por que a gente não foi para a Maré? Porque o Estado ficou de me dar determinadas obras físicas lá dentro e não fez por causa da crise. Não estou prometendo. Estou dizendo que ela (UPP da Maré) está planejada, e quando nós tivermos as condições para fazer, vamos executar o planejamento", disse à BBC Brasil.
Diante deste cenário, Edson Diniz não vê solução para os confrontos na favela a curto nem médio prazos.
"Não vejo perspectiva de melhora para os moradores da Maré com a manutenção da lógica de guerra, mortes, 14 mil crianças sem aula e ninguém se pronuncia a respeito, a falência das UPPs, a crise no Estado e a continuidade da forma como os mais pobres sempre foram tratados. Apesar da Olimpíada, para nós, nada mudou", diz.

 

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