Pep Guardiola fez de novo: ganhou um título nacional por pontos corridos, algo que se repetiu em 9 das 11 vezes nas quais o treinador espanhol disputou uma competição do gênero, seja na Espanha, na Alemanha ou na Inglaterra.
Agora, contudo, não foi necessário repetir a melhor campanha da história da Premier League, que ele obteve com este mesmo Manchester City na temporada passada: desta vez “bastou” ao treinador a segunda melhor performance de todos os tempos, ao conquistar 98 dos 114 pontos disputados numa Premier League que teve, nesta temporada, os quatro finalistas das duas mais importantes competições interclubes da Europa – Liverpool, Tottenham, Chelsea e Arsenal.
Para levar o primeiro bicampeonato do futebol inglês em uma década, o time de Guardiola precisou ganhar 14 jogos seguidos e reverter uma vantagem do Liverpool que, na 24ª rodada, era de 5 pontos. Assim, além dos 98 pontos ganhos, o City terminou a competição com o melhor ataque, sendo também o time com mais posse de bola, mais troca de passes e mais finalizações a gol da competição.
Feitos incríveis, não se discute. Mas você pode estar se perguntando: celebrar o trabalho de Guardiola não é ressaltar o óbvio? Deveria ser, mas não é.
Desde a passagem do espanhol pelo Bayern de Munique, há quem procure diminuir seus feitos e sua capacidade com a argumentação de que pouco valem os títulos nacionais se Pep “não consegue ganhar a Champions” (a mesma que ele já ganhou duas vezes como técnico, diga-se). Frases como “Quem contrata o Guardiola quer a Champions” ou “a Champions virou obrigação” são repetidas a favor dessa argumentação.
O problema dessa tese é que a tal “obrigação” de Champions, usando a mesma lógica, torna-se automaticamente válida para outros times. Ou será que a Juventus, ao contratar Cristiano Ronaldo, não passou a ter a mesma obrigação? E o PSG, que entre tantas estrelas contratou o jogador mais caro do mundo por 222 milhões de euros? E o Barcelona, que tem o melhor do mundo? E o Bayern? E o Real?
Considerar a Champions "obrigação" para qualquer equipe é ignorar a essência do futebol e sua imprevisibilidade, sobretudo num torneio com tantas equipes poderosas disputando mata-matas nos quais os detalhes e o acaso têm chances enormes de definir um confronto (se você ainda não leu, leia a entrevista de Eriksen após a semifinal no meu último post). O próprio roteiro da eliminação do City é um exemplo disso.
O termo “obrigação” para que times de futebol conquistem títulos em geral não faz sentido. Usá-lo para competições por pontos corridos onde uma equipe tem enorme vantagem financeira sobre todas as demais – casos de PSG, Juventus e Bayern em seus cenários nacionais – ainda vai; em outros cenários, não dá.
Olhando para esta temporada especificamente, não é absurdo atribuir a Jurgen Klopp, do Liverpool, o melhor trabalho entre os treinadores do mundo – mesmo que não conquiste título algum. Klopp chegou à final da Champions League superando uma semifinal que parecia insuperável sem dois de seus melhores jogadores; mas, tão importante quanto, Klopp fez nos pontos corridos uma campanha que só não lhe daria o título (como não deu) em duas de todas as edições da Premier League.
Já Pep Guardiola ainda estaria na Champions League, talvez até na final contra o Liverpool, se não tivéssemos entrado bem agora na (justa!) era do VAR. É do jogo, foi correto, mas foi um detalhe (milimétrico) apenas. Guardiola já ganhou a Copa da Liga Inglesa, a Premier League e, se vencer o Watford na final da Copa da Inglaterra em que é muito favorito, terá conquistado uma inédita tríplice coroa nacional disputando todos esses três títulos contra as quatro equipes finalistas das copas europeias. É muita coisa, é um absurdo.
Independentemente de quem seja o melhor técnico da temporada, Guardiola segue como melhor do mundo na função. Por seu passado e seu presente. Por seu legado, por sua revolução, mas sobretudo porque continua fazendo trabalhos espetaculares. Ganhando ou não a Champions League.