Depois que uma avalanche de baixarias decidiu a polarizada disputa eleitoral de 1989 entre Lula e Collor, o então coordenador geral da campanha de Lula, Vladimir Pomar, saiu-se com esta pérola : "o problema foi que nós fomos de Woodstock e eles vieram de Chicago."
Pomar se referia à confrontação entre aos métodos utilizados pelo esquema Collor -Globo na reta final da campanha, com direito à exploração da fala de uma ex-namorada de Lula, manipulação de debate e até acusação ao PT pelo sequestro de um conhecido empresário, e a docilidade republicana do comando petista.
Traçando um paralelo entre a conflagrada Chicago dos tempos da lei seca , nos anos 20 e 30, e o antológico festival de rock de 1969, expressão máxima da contracultura e do paz e amor, ele não se perdoava pelo fato de, mesmo diante de tantos sinais de armação, a campanha de Lula ter aceitado que o último programa eleitoral gratuito na TV fosse ao ar antes do debate derradeiro entre os candidatos, deixando a Globo livre, leve e solta para manipular à vontade a edição do debate, sem a possibilidade do contraponto do programa de TV do PT e aliados.
Isso tudo me veio à cabeça quando assistia ao pronunciamento de Lula em reposta à pantomima ridícula da véspera protagonizada pelos militantes da direita brasileira travestidos de procuradores da República. Claro que o desabafo de Lula foi emocionante e tocou em pontos importantes para denunciar a sórdida caçada que sofre. Contudo, não conseguiu se livrar de uma espécie de patologia petista que em boa medida explica a tragédia vivida pelo país : um republicanismo ingênuo e, principalmente, suicida.
Comandados pela patética figura pretensamente justiceira e messiânica do procurador Deltan Dallagnol, Lula fora acusado na véspera, de forma absolutamente ilegal, e sem quaisquer provas mas apenas "convicções, de ser o "comandante supremo de uma organização criminosa."
Tirante todas as justas recomendações de seus advogados, os quais naturalmente rogaram a Lula que não colocasse mais lenha na fogueira, mas situações excepcionais requerem reações também excepcionais. Vou morrer sem entender porque Lula, a exemplo de Dilma no Senado, insiste em não dar nomes aos bois, lançando mão com frequência de sujeitos ocultos e indeterminados.
Não existe "parte da imprensa" fazendo jogo sujo e golpista. Mas sim Globo, Folha, Estadão e Veja, formando um odioso monopólio. Tampouco é verdade que o mal do partidarismo e da politização mais rasteira atinja apenas setores do Ministério Público e da Polícia Federal. Delegados e procuradores fiéis à sua missão constitucional são franca minora hoje nessas instituições. Não é exagero afirmar que PF e MP apodreceram no afã de destruir Lula, Dilma e o PT.
Faltou também Lula dizer com todas as letras que não existe mais Estado de Direito Democrático no Brasil. Em vez de falar de sua fé inabalável no pleno funcionamento das instituições, a gravidade do momento impunha uma autocrítica sobre esta bobagem de nomear o mais votado na lista-tríplice da corporação do MP, abandonando uma prerrogativa da presidência da República e criando as serpentes que ajudariam a devorar a nossa jovem democracia.