Daria um livro com centenas de páginas a quantidade de artigos publicados pela blogosfera progressista alertando os governos de Lula e Dilma sobre o suicídio político que significava o não enfrentamento do debate com a sociedade sobre a regulação da mídia. Eu mesmo aqui no blog perdi as contas de quantos textos escrevi sobre o assunto.
Vale registrar ainda o quanto foram ignorados os conteúdos e as resoluções dos incontáveis encontros, seminários, debates e congressos promovidos pelos lutadores pela democratização das comunicações espalhados pelo Brasil apontando a quebra do monopólio midiático como questão central e estratégica para a consolidação da democracia em nosso país. Igualmente não encontrou eco o clamor da aguerrida militância digital democrática e progressista em prol da urgência da regulação da mídia.
Embora a "Inês já esteja morta", é fundamental revisitar esse tema para que os erros do passado não sejam repetidos quando o regime democrático for resgatado pela luta dos brasileiros e brasileiras. Ao apagar das luzes de seu segundo mandato, Lula confiou ao seu então ministro da Secretaria de Comunicações, Franklin Martins, a missão de realizar um périplo pelas democracias mais avançadas do planeta, para conhecer pessoalmente as transformações por que passaram as legislações desses países a ponto que lhes assegurar uma mídia plural, desconcentrada e a serviço do desenvolvimento social, da cultura, da educação e da afirmação da cidadania.
O giro de Franklin resultou num anteprojeto de regulação que o governo Lula legou à sua sucessora. Além de incorporar itens do arcabouço legal dos sistemas de comunicação da Europa e dos Estados Unidos, e também de lei de meios aprovada pelo governo de Cristina Kirchner, na Argentina, o texto propunha a regulamentação dos artigos 220, 221, 222, 223 e 224 da própria Constituição brasileira, que dentre outros avanços proíbe a propriedade cruzada dos meios, estabelece a obrigatoriedade de um percentual mínimo de produção regional e divide o espectro de comunicação entre as esferas estatal, pública e privada.
Acuado pelo poder de fogo do cartel da mídia, pronto a classificar como censura toda e qualquer proposta que abale seus privilégios, o ministro Paulo Bernardo, titular da Secom de Dilma, sentou em cima do projeto, se limitando a anunciar que o mesmo seria disponibilizado para consulta pública na internet, o que jamais aconteceu. Certamente por ordem de sua chefe, que fazia coro com as notas da Abert e da ANJ recorrendo a platitudes do tipo "a regulação da mídia se faz pelo seletor de canais" ou "prefiro o barulho da democracia ao silêncio da ditadura."
Ninguém de bom senso duvida que a mudança do marco legal das comunicações encontraria obstáculos quase intransponíveis para ser aprovada por um Congresso Nacional de maioria conservadora, fisiológica e corrupta, sobre o qual as poucas famílias de bilionários que controlam todas as plataformas de mídia do país exercem forte influência. Contudo, o grande pecado dos governos petistas, notadamente o de Dilma, foi se negar a liderar esse debate com a sociedade, pois um país com a complexidade econômica, social, regional, cultural e política do Brasil não pode seguir refém de uma vergonhosa concentração midiática.
As ondas eletromagnéticas são um bem público. Pertencem, portanto, ao povo brasileiro. O problema é que pouca gente sabe que a radiodifusão é concessão do Estado, e não propriedade dos Marinho, dos Sayad, do bispo Macedo ou de Silvio Santos. E um governo com legitimidade democrática não pode se furtar a esclarecer a população sobre essa questão estratégica para a consolidação da democracia, sob pena de contribuir por omissão para a perpetuação do panorama atual marcado por violações à Constituição.
Governo algum ao longo da história do país fez tanto em benefício do povo como os de Lula e Dilma. O Brasil deixou o mapa da fome, tirou da pobreza e da miséria 40 milhões de seres humanos, criou universidades e escolas técnicas em profusão, levou os pobres à universidade e aos aeroportos, iluminou os lares de todo o país, bateu recorde de construção de casas populares, propiciou atendimento médico aos habitantes do Brasil profundo, criou 22 milhões de postos de trabalho, valorizou como nunca os salários e passou a ter voz ativa na cena internacional. Mas falhou gravemente na comunicação.
Além da ter se negado a travar a batalha pela democratização da mídia, alegando informalmente razões de ordem tática, os governos do PT erraram feio também nas políticas de comunicação que não dependiam de aprovação do Congresso, mas sim de decisões de caráter político ao alcance da mão do poder Executivo. Qual a razão para fortalecer os inimigos da democracia, empanturrando de verba publicitária Globo, Veja, Estadão, Folha, Band, etc ? Por que o governo Dilma, sob o cerco do golpismo, não adotou uma política agressiva diária de comunicação que não deixasse ataque sem resposta ? Diante da possibilidade concreta de a esquerda voltar a governar o país, vale a reflexão.