Em 1940, quando o marechal francês Philippe Petain, chefe do governo colaboracionista de Vichy, assinou um vergonhoso armistício com as forças nazistas, o general Charles de Gaulle se encontrava em Londres, de onde, em 18 de junho, fez seu célebre discurso aos franceses pela BBC, conclamando seus concidadãos à resistência: “A chama da resistência não deve se apagar nem se apagará”, disse o estadista.
Depois de fundar na capital inglesa a República França Livre, uma espécie de governo no exílio, que empreendeu várias ações políticas e militares contra o Eixo, De Gaulle usou as ondas do rádio com frequência para falar com a população francesa do outro lado do Canal da Mancha e organizar a resistência. Encurtando a história, depois da libertação francesa, De Gaulle foi primeiro ministro e presidente por longos períodos e entrou para a história como herói nacional.
Ele morreu em 1970, mas mantém influência na política da França até hoje como referência de uma corrente ideológica chamada gaullismo, além de emprestar seu nome a um sem número de ruas, praças, avenidas, monumentos, escolas, etc. De Gaulle, que era politicamente um conservador, soube interpretar o espírito do seu tempo e foi às últimas consequências em nome de seu compromisso patriótico.
Deste preâmbulo histórico vou direito para o Brasil pós-golpe para afirmar que o povo brasileiro precisa tanto da liderança de Lula hoje como os franceses precisaram de De Gaulle há 78 anos. Por ter lugar cativo no coração de parcela expressiva da nossa gente, Lula é imprescindível para derrotar o golpe e retomar o caminho trilhado nos seus dois governos rumo a um país justo, soberano e inclusivo.
Abro parênteses : Lula já tem assegurado um lugar de honra no capítulo da história dedicado a Nelson Mandela, Mahatma Ghandi, Mather Luther King e a Getúlio Vargas. Fecho parênteses. Contudo, diante desse senhor de 72 anos, um dos melhores filhos do povo brasileiro ao longo de mais de 500 anos, se descortina o enorme desafio de liderar a resistência popular ao estado de exceção, resgatar a democracia, anular o roubo de direitos perpetrado pela quadrilha que assaltou o governo e reaver as riquezas estratégicas da nação entregues aos estrangeiros.
Mas, para isso, o Brasil clama por Lula solto, e não preso. O seu prestígio no exterior, aliado ao conteúdo fortemente crítico das matérias dos principais jornais do mundo, praticamente unânimes em denunciar sua condenação sem provas como uma fraude com fins políticos, abrem caminho para que um pedido de asilo de sua parte seja bem-sucedido. E, com as tecnologias de comunicação dos dias atuais, Lula não teria dificuldade para seguir liderando a luta no Brasil.
Claro que a defesa do ex-presidente deve apresentar todos os recursos possíveis nos tribunais superiores para impedir sua prisão. Mas, não se pode perder de vista que o conjunto do Judiciário está metido até o pescoço no golpe de estado. A rigor não existe mais democracia e justiça no Brasil.
Por isso, Lula pode e deve reagir à sua condenação. Até a ONU assegura o direito de rebelião contra governos ilegítimos e opressores. Lula exilado seria uma tacada de mestre que acertaria em cheio os coveiros da democracia e inimigos do povo, que esfregam as mãos à espera da foto de sua prisão.