Há uma nítida distinção entre ser considerado um foragido da justiça ou um refugiado político. Desde quando se tornou de um obviedade cristalina que a prisão de Lula era o objetivo final da caçada criminosa empreendida pelas instituições corrompidas do Estado, passei a ver o asilo político em uma embaixada como o melhor caminho a ser seguido.
Primeiro porque dentro do território inviolável de uma representação diplomática, ou mesmo exilado em outro país, Lula teria todas as condições de seguir liderando a luta contra o golpe, denunciando a ditadura judicial-midiática implantada no Brasil, a liquidação dos direitos do povo e a pilhagem da riqueza nacional.
Em artigo recente, tracei um paralelo com o exílio na Inglaterra do estadista francês Charles de Gaulle, durante a Segunda Guerra Mundial. Mesmo do outro lado do Canal da Mancha, pelo rádio, ele liderou a resistência francesa até a vitória contra a ocupação nazista, cuja expressão institucional era o governo colaboracionista de Vichy, até hoje uma mancha na história da França.
Imagina o estrago nas hostes inimigas nativas que Lula causaria através da utilização do arsenal de tecnologias de comunicação que o mundo moderno dispõe? Sua reconhecida genialidade como comunicador certamente reverberaria pelos quatro cantos do Brasil, impulsionada por uma enorme rede popular e democrática que se formaria para escoar a fala da maior liderança do país.
Às vésperas de completar um mês encarcerado, submetido a um isolamento inaceitável e tendo seus direitos de custodiado pelo Estado seguidamente violados por uma juíza alinhada com Moro, a cada dia fica mais evidente que o ex-presidente cometeu, quem sabe, o erro político mais grave de sua trajetória política impecável em defesa da igualdade, da democracia, da soberania popular e da classe trabalhadora.
Mas por que Lula, do alto de sua enorme sabedoria política, rejeitou conselhos de inúmeros amigos e companheiros para se exilar? Aqui não parece haver dúvida quanto à resposta : falou mais alto o diabo da crença inútil e suicida que ele insiste em manter nas instituições apodrecidas pelo golpismo, pelo preconceito de classe, pelo ódio aos pobres herdado da escravidão e pela vassalagem aos senhores da Casa Grande.
Ao decidir se autoimolar, será que Lula nutria esperanças num STF refém da Globo e da Lava Jato? Chega a ser inacreditável que, na conjuntura atual, marcada pelo avanço do fascismo e pela consolidação do estado de exceção, ele tenha apostado suas fichas em eventuais decisões favoráveis à sua soltura por parte do Supremo. Ora, não é preciso nem ser estudante de direito para perceber que a maioria dos ministros do STF curva a espinha para Moro com medo da Globo.
Quer melhor exemplo disso do que o desdém absolutamente ilegal do juizeco de Curitiba para a decisão da segunda turma do Supremo mandando que ele enviasse as delações da Odebrecht, relativas ao processo do sítio de Atibaia, para a justiça federal de São Paulo? E o que dizer da sentença de Dias Toffoli, segundo a qual a decisão da segunda turma fora isolada, não abalando o poder de Moro de seguir à frente do caso de Atibaia?
Ouso dizer que um dado de suma importância não teve o peso merecido na decisão de Lula de se entregar: a condenação absurda no processo fraudulento do triplex não é a única espada a ameaçar ceifar-lhe o pescoço. Além do processo de Atibaia, mais cinco estão na fila, no cerco montado pelo Judiciário para alijá-lo não só da política, como da vida social e familiar. E alguém duvida de que são gigantescas as chances dele ser condenado em todos? E aí, como fica? Mesmo que, contrariando todas as previsões, ele obtenha um HC, logo os meganhas da PF estarão na sua porta outra vez.
Penso que Lula também não avaliou como devia a imensa dor que sua prisão causaria na expressiva parcela do povo brasileiro que o ama. Pessoalmente, confesso o quão tem sido duro suportar a brutal injustiça de ver Lula preso, enquanto toda sorte de corruptos e carrascos da gente brasileira desfilam livres, leves e soltos, para seguir saqueando a nação.
Termino esse artigo enojado por ter tomado conhecimento de que a capa do lixo que atende pelo nome de Veja desta semana destaca o dia a dia de Lula na prisão. A mesma juíza que barrou Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, Leonardo Boff, governadores, senadores, deputados e sindicalistas permite que um repórter da Veja afronte o direito de um preso à privacidade. Um dia todos pagarão muito caro por tudo isso.