A politização dos quartéis, que o comandante do Exército, general Villas Bôas, diz temer ante o fenômeno bolsonarista, já é realidade. E não apenas porque as teses fascistas do ex-capitão encontram eco na caserna. O abandono gradual, mas consistente, da postura profissional que as tropas adotaram nos anos que se seguiram à redemocratização, em nome de um ativismo político cada vez mais pronunciado, pode ser constatado a partir de duas evidências:
1- O sentimento nacionalista que marcou gerações das forças armadas ficou no passado. Os oficiais de alta patente hoje, da ativa e da reserva, com raras e honrosas exceções, compartilham do ideário ultraneoliberal adotado por Temer e aplaudem sua radicalização por Bolsonaro. Por isso, os militares se calaram diante do fim da lei da partilha do petróleo, que resultou na entrega do pré-sal às petroleiras estrangeiras. Também há fortes indícios de que a liquidação total do patrimônio público, prioridade zero do futuro ministro Paulo Guedes, conta com o apoio fardado. E não é tudo: a cúpula das três armas nunca esteve tão próxima dos interesses do imperialismo norte-americano.
2- O discurso contra a corrupção que tanto seduz as tropas tem viés seletivo e político-ideológico. As forças armadas só enxergam corrupção em Lula e no PT. Ninguém ouviu ou leu notícias de pressão de generais ou almirantes quando a Câmara dos Deputados apreciou, em duas ocasiões, pedidos de instalação de processos contra Temer, com quem, aliás, convivem harmonicamente. Entre os militares, o antipetismo visceral e doentio tomou o lugar do anticomunismo dos tempos da guerra fria.
Em recente entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o general Villas Bôas confessou que “agiu no limite” durante o episódio da votação do habeas corpus de Lula pelo STF. Em bom português, ele atropelou a lei e o princípio constitucional da separação dos poderes ao pressionar os ministros para que negassem o habeas corpus para Lula. Dado o placar apertado de 6x5 em desfavor do ex-presidente, conclui-se que o twitter do comandante lido por William Bonner, no Jornal Nacional da véspera do julgamento, surtiu efeito.
Se não vivêssemos na anarquia institucional dos dias atuais, Villas Bôas estaria em maus lençóis, pois o Decreto 4.346 de 2002, assinado por FHC, proíbe que os militares se manifestem politicamente. E o próprio Regulamento Disciplinar do Exército (RDE) classifica opinião política como transgressão disciplinar.
O general diz que o saldo dessa ação ilegal foi positivo. Na certa, ele está se referindo à contenção do ânimo golpista dos seus comandados e, por tabela, admitindo que ocorreria uma intervenção militar caso Lula ganhasse a liberdade, o que é gravíssimo.
Em um retrocesso brutal, vemos os militares outra vez ocupando postos-chave no governo da República. Assim, a subordinação das forças armadas ao poder civil, pilar de qualquer regime que mereça ser chamado de democrático, vai virando pó.
Temer nomeou pela primeira vez um militar para o Ministério da Defesa. Bolsonaro repete a dose, escolhendo o general Fernando Azevedo e Silva para a pasta. O mesmo general que, vale lembrar, era assessor do ministro Dias Toffoli, na presidência do STF, indicação nebulosa, sem justificativa plausível do ponto de vista republicano.
A ocupação de muitos outros cargos no governo federal por parte de militares, o que certamente acontecerá, somada às ameaças feitas por Bolsonaro na campanha eleitoral à esquerda e aos movimentos sociais apontam para um quadro extremante preocupante.
O Brasil pode estar a caminho da “bordaberização”, expressão relacionada ao fazendeiro Juan María Bordaberry, que se elegeu presidente do Uruguai pelo voto em 1972, mas um ano depois dissolveu o parlamento, suspendeu a Constituição e governou até 1976 como ditador, contando com o apoio incondicional das forças armadas.