Como é de domínio público, os banqueiros têm verdadeira obsessão pela reforma da previdência. O motivo mais conhecido é também o mais óbvio: abocanhar o verdadeiro filão que é o mercado da previdência privada, o qual, do ponto de vista do interesse da banca, não deslancha no Brasil devido ao regime geral da previdência social. Destruí-lo, então, é preciso.
Mas outro dado da realidade contribui para que o chamado mercado financeiro (formado por bancos, corretoras de valores, fundos de investimento, especuladores e doleiros de todos os calibres) esteja sempre disposto a remover céus e terras para modificar as regras da previdência social: é que ele está abarrotado de títulos da dívida pública brasileira. E há um temor generalizado nesta turma, que aliás nunca produziu um prego ou um sabonete, de que os governos, sempre em crise fiscal, não consigam honrar esses papeis.
Na conta medíocre e desprovida de qualquer viés social feita por essa gente, quanto menor o gasto do governo com previdência, maior o desembolso para amortizar sua dívida pública mobiliária. Por isso, soa como música aos seus ouvidos a intenção do governo chefiado pelo presidente imbecil de instituir o regime de capitalização na previdência.
O que está na alça de mira é o regime de repartição simples, baseado no princípio da solidariedade entre as gerações, ou seja, os brasileiros e as brasileiras em idade laboral hoje ajudam a financiar as aposentadorias dos que não têm mais idade de labutar, para mais à frente usufruírem do mesmo direito. Já a capitalização, uma conta poupança como outra qualquer, é a consagração do individualismo e do egoísmo neoliberal.
Cabe lembrar que o regime de capitalização previdenciária, seja no modelo de contribuição definida ou de benefício definido, não deu certo em nenhum país em que foi implantado. No Chile, imposta pela ditadura pinochetista, a capitalização provocou uma verdadeira tragédia social. Centenas de milhares de idosos ou não conseguem a aposentadoria, ou se aposentam com um benefício que equivale a 30% do valor médio recebido pelos inativos no regime anterior.
Ainda mais draconiano do que o projeto apresentado por Temer, o da dupla Bolsonaro-Guedes, definitivamente, obrigará as pessoas a trabalhar até morrer. Mas como seguir no mercado de trabalho se no Brasil o trabalhador a partir dos 40 anos já é considerado velho? Como se manter empregado, e continuar contribuindo para a previdência, se a rotatividade do mercado brasileiro é uma das mais altas do mundo?
Nada contra a necessidade de se zelar pela saúde atuarial da previdência. Mas que tal começar cobrando a dívida bilionária dos grandes sonegadores, em geral corporações empresariais poderosas? Que tal acabar com os vergonhosos privilégios previdenciários de militares, juízes, membros do Ministério Público e demais carreiras da alta burocracia do Estado?
Com toda a certeza essa casta de privilegiados não será incomodada pela reforma, que foi feita sob medida para roubar o suado dinheirinho da contribuição dos mais pobres, dos que nada têm, e transferi-lo para banqueiros e especuladores. O caráter de classe das mudanças propostas até agora (aumento da idade mínima para 65 anos para homens e 60 para mulheres, regime de capitalização e redução drástica do tempo de transição entre as novas regras e as anteriores) é flagrante. Coisa de uma burguesia mesquinha e covarde, cuja principal marca é o ódio devotado aos pobres.
Estudiosos e especialistas em previdência social são unânimes em contestar a versão mentirosa do déficit, segundo a qual um rombo bilionário no caixa da previdência ameaça sua existência. Mas só consegue enxergar déficit quem ignora o conceito de seguridade social, que inclui previdência, assistência social e saúde, definido pela Constituição de 1988.
Os constituintes apontaram inclusive as fontes de financiamento da seguridade social: além da contribuição de empregados e empregadores, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade (Confins) e as verbas oriundas das loterias. O problema é que ano após ano, governo após governo, esses recursos são apropriados pelo Tesouro Nacional, deixando a Seguridade Social à míngua.