Já vai longe o tempo em que o Ministério Público tinha forte atuação na área dos direitos humanos, especialmente no tocante aos abusos de autoridade e crimes cometidos por agentes do Estado.
Desde que foi contaminado pela partidarização e militância política de direita, amplos setores do MP e do Judiciário têm pautado sua atuação pela busca obsessiva por notoriedade midiática, através de uma cruzada seletiva contra a corrupção.
Na mesma semana em que, esbanjando cinismo e falta de senso de humanidade, o presidente da Vale, Fábio Schvartsman, esteve no Congresso Nacional para fazer uma defesa apaixonada da empresa e, praticamente, ignorar os mortos e as famílias enlutadas, oito funcionários da mineradora foram presos.
Ao deparar com a chamada da notícia da prisão, nesta sexta-feira, 15/2, confesso ter sido tomado inicialmente por uma dose cavalar de ingenuidade ao imaginar que Schvartsman (que na sessão da Câmara dos Deputados fora o único dos presentes a se negar a ficar de pé durante o minuto de silêncio em homenagem às vítimas de Brumadinho) e seus pares da alta cúpula da Vale estivessem entre os detidos.
Ledo engano. Todos os oito presos em Minas, Rio e São Paulo, em ação conjunta do MP de Minas e das polícias civil e militar do estado, são de nível técnico-gerencial. A exemplo do que ocorrera nos dias seguintes ao megacrime socioambiental, quando alguns engenheiros foram presos, e depois soltos, a direção da Vale permanece blindada.
E a julgar pelas declarações públicas do presidente e de outros diretores da Vale, a impressão que se tem é que estão ávidos por virar a página e tocar a vida, creditando, como sempre, o saldo macabro de 166 mortos confirmados a uma lamentável fatalidade. Não custa lembrar que o número de mortos passará de 300, pois é grande a quantidade de desaparecidos.
Enquanto a ganância capitalista produz desastres em série no Brasil, o sistema criminal de justiça segue na sua complacência com o capital. Chega a ser inacreditável que diante de sucessivas cenas de horror , com centenas de homens, mulheres, jovens, crianças e idosos perdendo a vida com pulmões cheiros de lama, corpos carbonizados ou esmagados pelos desabamentos provocados pelas chuvas, servidores regiamente pagos pela sociedade para aplicar a lei curvem a espinha para os endinheirados.
Quando muito providenciam a apresentação de “bois de piranha”, afinal alguma satisfação é preciso dar aos que clamam por justiça. Se de um governo de imbecis, retardados mentais e fundamentalistas religiosos, como o de Bolsonaro, só se pode esperar declarações como a de um ministro que recomendou cautela nas apurações de Brumadinho “porque o mercado pode reagir mal”, cabe às forças democráticas do país subir o tom na exigência de justiça.
Mas é preciso saber separar o joio do trigo. O exemplo de Moro e dos procuradores da República de Curitiba na condução da Lava Jato deve ser evitado a todo custo. Sob o pretexto de combater a corrupção, a Lava Jato destruiu o pujante setor de óleo, gás e engenharia do país, provocando o desemprego de milhões de trabalhadores e o fechamento ou o encolhimento de empresas que desempenhavam papel estratégico no desenvolvimento nacional.
Em qualquer democracia do planeta os executivos são punidos, se contra eles forem provados malfeitos, mas as empresas são preservadas. Aqui se joga fora o bebê junto com a água do banho. Vale salientar que a poderosa multinacional alemã Siemens chegou a colaborar com Hitler. Com a derrota do nazismo seus dirigentes simpatizantes do Terceiro Reich foram afastados e presos, mas a Siemens foi em frente.
Entre os partidos social-democratas e comunistas da Europa há décadas vigora uma regra não escrita, uma espécie de compromisso moral, que leva o dirigente máximo desses partidos à renúncia ante uma derrota eleitoral acachapante. Assumem, portanto, a responsabilidade pelo revés. Depois o partido discute com calma as culpas e os erros táticos e estratégicos.
Quem dera que este conceito radical de responsabilidade chegasse a estas plagas. Peguei este atalho pela política do velho mundo para finalizar este texto com uma triste constatação: se no Brasil a vida das pessoas não valesse tão menos do que o dinheiro, as direções da Vale e do Clube de Regatas Flamengo já teriam renunciado.