Nada acontece por acaso. Quando o ex-diretor da Odebrecht, Carlos Armando Paschoal, diz à justiça, referindo-se ao processo do sítio de Atibaia, que foi “quase que coagido a fazer um relato sobre o que tinha ocorrido” e que teve que “construir um relato” é porque as placas tectônicas da conjuntura começam a se mover.
Duvido que há 40 dias, ou seja, antes das revelações do site The Intercept sobre os crimes cometidos pelos principais próceres da Lava Jato, esse depoente tivesse a coragem de botar o dedo na ferida em juízo. O súbito desassombro do executivo deve-se ao início da mudança de direção dos ventos políticos.
Mas, como a paciência, segundo alguns filósofos, é uma virtude revolucionária, cabe uma reflexão sobre o tempo na política. Dia desses ouvi uma entrevista do lúcido e combativo jornalista Breno Altman, na qual ele chamava a atenção para a discrepância entre a justificada pressa que temos para ver Lula Livre e a desmoralização definitiva da Lava Jato e o tempo real em que os acontecimentos políticos ocorrem.
Instado a explicar a aparente contradição entre os números da última pesquisa do Datafolha mostrando que a maioria dos consultados acha que Moro agiu irregularmente e que suas decisões devem ser revistas, mas que a prisão de Lula é justa, Breno foi taxativo ao avaliar que não há contradição entre esses resultados.
Para o jornalista, a campanha da burguesia, tendo a mídia como ponta de lança, contra o PT e Lula foi tão pesada que sua reversão levará tempo. E que a desilusão com a Lava Jato não significa automaticamente adesão à oposição de esquerda ao bolsonarismo. Esse movimento demora a acontecer, custa a se realizar em sua plenitude, pois exige um período de maturação da opinião pública.
Estou de pleno acordo. O bombardeio ao PT, o golpe contra Dilma Rousseff e a farsa da condenação de Lula representam a maior perseguição já sofrida por um partido e suas lideranças na história do Brasil. Tenho minhas dúvidas também se em períodos democráticos há paralelo ao redor do mundo de algo parecido. Essa artilharia pesada fez estragos e calou fundo em largas parcelas da população.
Se é verdade que o nosso país é pródigo em episódios que têm o condão de mudar o cenário político abruptamente, também não podemos esquecer do grau de excepcionalidade dos dias atuais. Trocando em miúdos, é possível que a Vaza Jato traga à tona provas poderosas e insofismáveis, tipo batom na cueca, contra Moro e seus jagunços de Curitiba, na forma de diálogos, fotos ou vídeos. Abro parênteses para sublinhar que o material divulgado até agora é de extrema gravidade e que já teria produzido consequências drásticas em qualquer país democrático. Mas no Brasil, em estado de exceção, a história é outra. Fecho parênteses.
O problema é que o nível de informação, consciência política e compromisso com valores éticos e republicanos é baixo no país. Isso explica porque parte considerável dos brasileiros mantenha o apoio a Moro e seus sequazes justamente porque eles são capazes de violar a lei para “combater a corrupção.” Ora, imagina se o sujeito que acha que “bandido bom é bandido morto” hesitará em defender que o fim justifica os meios no caso da Lava Jato.
Não sou cético. Penso que o que resta de credibilidade à Lava Jato, a Moro e Dallagnol está com os dias contados e Lula acabará libertado. Contudo, isso só ocorrerá com a mudança da conjuntura política e, consequentemente, da correlação de forças na sociedade.
Cada revelação do The Intercept joga um papel decisivo para que esse objetivo seja atingido. Reparem que a pesquisa do Datafolha já capta perda substancial de prestígio de Moro. Também os avanços em termos de iniciativa política e de estruturação da campanha Lula Livre, aqui e no exterior, são elementos que devem ser vistos com otimismo.
Torcemos para que a virada democrática ocorra o quanto antes, é claro, afinal há um ano e três meses um inocente amarga o isolamento de um cárcere político, o que é revoltante. Mas temos que estar preparados para uma guerra prolongada. Vamos em frente, conscientes de que a restauração da democracia se dará tijolo a tijolo. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
.