Vítima de uma perseguição política, judicial e midiática que lembra à sofrida por Lula, Cristina Kirchner, ex-presidente da Argentina, certamente estaria presa caso não fosse senadora da República e desfrutasse de imunidades parlamentares.
Não faltou empenho para atingir esse objetivo por parte do Moro de lá, o juiz Claudio Bonado, que chegou a pedir mais de uma vez a prisão de Cristina, apelando inclusive ao Senado do país vizinho para que suspendesse as prerrogativas da senadora, o que não aconteceu devido à sólida maioria kirchnerista na Casa.
Desde que seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, faleceu, o jogo sujo do conservadorismo argentino elegeu Cristina como seu alvo preferencial. Contra ela e sua popularidade se formou um conluio integrado pelos aparatos de comunicação ligados aos grupos Clarín e La Nacion, boa parte do Judiciário, o mercado financeiro e empresários poderosos que rezam na cartilha do ultraneoliberalismo entreguista do presidente Maurício Macri.
Esse lawfare visando a criminalização de Cristina não hesita em lançar mão de um cardápio variado de acusações, tais como desvio de fundos públicos, inclusão de seu nome no “caderno de propinas”, acobertamento de terroristas envolvidos em atentado contra a Associação Mundial Israelita Argentina, dentre outras. Tal qual o padrão da Lava Jato brasileira, chama atenção, segundo juristas renomados, a fragilidade das peças acusatórias, que padecem de provas e elementos concretos que possam incriminar a ex-mandatária.
No entanto, o movimento político liderado por Cristina, conhecido como kircherismo (na verdade, um dos inúmeros braços do peronismo) resiste ao cerco, mantendo e ampliando suas bases sociais, políticas e eleitorais. Desorientando os adversários, Cristina abriu mão da candidatura à presidência em favor do seu ex-chefe de gabinete, e também de Néstor Kirchner, Alberto Fernández, assumindo a condição de vice. Com a vitória espetacular da chapa Alberto Fernández-Cristina Kirchner, da coligação Frente de Todos, nas eleições primárias do último domingo, a oposição assume a condição de favorita na eleição.
Embora as PASO (Plenárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias) argentinas em termos legais sirvam basicamente para eliminar as chapas nanicas – as que obtêm menos de 1,5% dos votos- da disputa do primeiro turno, no dia 27 de outubro, elas têm peso político, além de implicações de natureza psicológica, pois acontecem a menos de três meses do pleito. As primárias projetam tendências, injetam ânimo nos vencedores e desnorteiam os perdedores. Que dirá quando a diferença chega a 15 pontos percentuais.
No que se refere à propagação criminosa de fake news contra a esquerda, a campanha das primárias argentinas teve muito em comum com a tática bolsonarista empregada em 2018, no Brasil.Sem falar do bombardeio incessante da mídia argentina à chapa oposicionista.
Com a economia em frangalhos, inflação elevada, juros estratosféricos, desemprego recorde, ida de pires na mão ao FMI e cada vez mais gente sem ter o que comer, fracassou o discurso cínico anticorrupção, principal instrumento de ação política da burguesia golpista do continente e peça-chave para a reversão da hegemonia da esquerda na América do Sul.
Além de Lula e Cristina, cabe destacar que o ex-presidente do Equador, Rafael Correa, se exilou na Bélgica para não ser preso em seu país, enquanto o ex-presidente peruano Ollanta Humala aguarda julgamento de recurso, depois de ter cumprido um ano de prisão preventiva.
A fragorosa derrota imposta pelos argentinos a Macri acende a esperança de que caminha para o esgotamento a instrumentalização da justiça com finalidades políticas, o odioso lawfare.