Por Bepe Damasco
O assassinato da menina Ághata, de oito anos, pela polícia do governador genocida do Rio, somado às 1.246 execuções praticadas pelas forças de segurança do estado só no primeiro semestre de 2019 (mais de 80% das vítimas eram jovens, negros e moradores de favelas), fizeram com que nas redes sociais muitos alertassem para as consequências da opção eleitoral das pessoas.
Nas zonas eleitorais em torno do Complexo do Alemão (local onde Ághata foi alvejada por um tiro de fuzil nas costas), nos bairros da Penha, Olaria, Ramos, Bonsucesso e adjacências, Witzel e Bolsonaro foram os mais votados, com larga vantagem sobre os adversários.
Tirante o Nordeste brasileiro, a preferência por candidatos conservadores, de direita e de extrema-direita se alastrou pelas favelas e bairros periféricos de praticamente todos os grandes centros urbanos. Nas cidades pequenas e médias, especialmente em seus bolsões de pobreza, bem como no interior, a radiografia sócio-econômica do voto tem sido semelhante.
Então, um desafio gigantesco se ergue para a militância de esquerda, sociólogos, cientistas políticos, antropólogos, psicólogos, jornalistas, filósofos e demais estudiosos do assunto: quais são os fatores que têm levado o povo a votar em seus próprios carrascos, prontos para roubar seus direitos e até suas vidas?
Certamente, e aqui ensaio uma resposta, não há causa única para fato social desta dimensão. Em caráter especulativo, penso que uma combinação intrincada de fatores está por trás do fenômeno. Mas a discussão se torna ainda mais complexa quando constatamos que agora, diferentemente do que ocorria no passado, nem sempre os inimigos dos pobres são obrigados a mentir e dissimular durante as campanhas eleitorais.
Veja o caso de Bolsonaro: nem a montanha de vídeos com depoimentos chocantes seus sobre os mais variados temas foi capaz de abalar a intenção de voto de seu eleitor. Diversas atrocidades cometidas hoje por seu governo fizeram parte de seu rol de promessas de campanha.
Este debate não é novo, mas ganhou relevância e urgência diante da quantidade crescente de verdugos dos menos favorecidos que vêm alcançando sucesso nas urnas, alguns inclusive com votação consagradora. Vale a pena citar algumas razões que tenho lido e ouvido até aqui como determinantes, em maior ou menor grau, para a definição do voto desta parcela da população, acompanhadas de pitados meus.
Desencanto com a política e os políticos
Tiro n’água, pois o eleitor continua escolhendo políticos, e não filhos de chocadeira, para os cargos eletivos.
Antipetismo
O massacre midiático-judicial sofrido pelo PT explica pequena parte do problema, pois o partido, embora tenha falhado na organização popular nos anos em que governou o país, continua aparecendo em todas as pesquisas como o preferido da população de mais baixa renda.
Braço forte da direita contra a violência
A própria esquerda reconhece como um de seus calcanhares de Aquiles o pouco acúmulo na questão da segurança pública. Mas, mesmo diante de opções eleitorais de centro e até de direita com propostas menos truculentas, por que estranhos motivos os mais humildes têm sufragado nas urnas seus exterminadores?
Influência de mercadores da fé e pastores estelionatários
A desilusão com o Estado leva muita gente a considerar as igrejas neopentecostais como último reduto de acolhimento. E os telepastores ocupam um latifúndio de tempo todas as tardes nas TVs abertas. Já a igreja católica está fora disputa por almas, corações e mentes do povão por um forte motivo: simplesmente não há templo católico em favela.
Homofobia, machismo e misoginia
Esse coquetel de preconceitos está fortemente presente na base da pirâmide. E acaba indo ao encontro da pregação da atual safra de políticos conservadores, que não hesitam em incentivar e explorar como bandeira política os comportamentos atrasados e medievais. São os tais valores da família.
Programas policiais de TV estilo mundo cão
Atingindo em cheio, principalmente, a dona de casa, o desempregado e o estudante, todo dia as emissoras de TV dedicam horas de sua grade de programação para os programas policiais. Seus âncoras, todos da linha “bandido bom é bandido morto”, disseminam ódio e defendem abertamente o extermínio de suspeitos de crimes.