Ilustração Renato Aroeira
Essa pergunta já toma conta das rodas de conversa no Congresso Nacional e demais meios políticos. O dilema envolve inclusive partidos e parlamentares de centro e até mesmo de direita, mas que conservam algum compromisso republicano.
Caminha-se para o consenso de que Bolsonaro acabou e que sua permanência no cargo, além de cobrir de vergonha a nação e degradar a instituição Presidência da República, dificulta o combate adequado à pandemia de coronavírus.
Não há exagero algum em dizer que quanto mais tempo Bolsonaro permanecer no poder, mais casos de coronavírus surgirão, provocando mais sofrimento e, sobretudo, mais mortes.
Visto como um pária internacional, seu profundo desgaste na sociedade brasileira é uma realidade incontestável. Os apitaços diários dão a dimensão do estrago na popularidade do presidente, inclusive em bairros das classes média e alta considerados cidadelas bolsonaristas até há pouco tempo.
No Brasil pensante, na medicina, na ciência, na cultura, em parte expressiva da mídia, na academia, nos movimentos sociais e em largas parcelas da população, Bolsonaro hoje é o tumor a ser lancetado para salvar da septicemia o organismo do país.
Contudo, o xis do problema é como dar curso a uma operação complexa como o afastamento de um presidente no olho do furacão de uma megacrise sanitária, com dezenas de milhões de pessoas trancadas em casa, para achatar a curva de propagação do vírus, como dizem os médicos.
Aqui, de certa forma, temos um paradoxo : se é verdade que a postura negacionista, irresponsável e genocida de Bolsonaro diante da pandemia cava sua sepultura como chefe de Estado e de governo, também é inegável que essa conjuntura se ergue como um obstáculo enorme para seu afastamento.
Para início de conversa, o isolamento social acaba jogando a favor de Bolsonaro, pois embora haja na população indignação e efervescência política suficientes para uma grande mobilização de rua em defesa de sua saída, as pessoas, confinadas em casa, estão de mãos e pés atados e não podem ir além dos panelaços e da militância nas redes sociais.
Depois, é preciso levar em conta que não se faz um impeachment com um estalar de dedos. Além da tramitação do processo ser lento, tendo que ultrapassar votações com quórum qualificado em comissões e no plenário da Câmara e depois do Senado, é sempre um processo traumático, capaz de sacudir os alicerces das instituições da República. Sem falar que antes de tudo é preciso convencer o presidente da Câmara dos Deputados a aceitar e dar andamento ao pedido de impeachment.
No caso de Bolsonaro, é certo ainda que ele apelaria para a vitimização, tentando posar de perseguido e injustiçado. Mas isso é problema dele e do gado que ainda o aplaude. Então, quer dizer que diante de tantas dificuldades, deve ser arquivada, pelo menos por hora, a ideia do afastamento de Bolsonaro? Não, não e, mais uma vez, não. Só aponto esses percalços do caminho, para modestamente contribuir com esse debate e chamar a atenção das lideranças de esquerda para a complexidade da questão e do desafio que está colocado.
O ideal, claro, seria a renúncia de Bolsonaro. Mas isso é praticamente impossível agora Sua índole má, aliada à falta de amor pelo povo e pelo país impedem que seja capaz de um gesto de tamanho desprendimento e desapego pelo poder.
Outro caminho seria a PGR e o STF enquadrá-lo em crime contra a saúde pública. Mas quem acredita que Aras, o procurador-geral, e o STF tenham coragem, independência e altivez para isso?
Então, cabe à esquerda, sem ilusões de que seja uma empreitada fácil, apostar suas fichas em todos os espaços possíveis, para construir um arranjo político e institucional, com respaldo de massa, que leve à saída de Bolsonaro. Investindo pesado nas redes, unificando as forças progressistas (o manifesto com lideranças de todos os partidos já foi um golaço) e fazendo articulações neste sentido no Congresso Nacional com os setores de centro-direita que não suportam mais Bolsonaro o horizonte pode se abrir.