De cara, é preciso fazer três ressalvas: 1) O quase ex-ministro Mandetta (escrevo quando sua saída do ministério está por algumas horas) se orienta, na maioria das questões, por critérios médicos e científicos, rejeitando o negacionismo criminoso de Bolsonaro; 2) Neste texto não pretendo tratar da trajetória política de Mandetta. Seu apoio ao golpe contra Dilma Rousseff, o combate ao SUS no parlamento, o apoio à PEC que congelou os gastos em saúde e educação e o lobby que faz para os planos privados de saúde ficam para outra ocasião; 3) Certamente sua substituição será um retrocesso, já que vem aí ou um terraplanista raiz ou alguém que aceite não confrontar as teses genocidas de Bolsonaro em público.
Mesmo sendo leigo, vou focar apenas na sua gestão à frente do Ministério da Saúde, especificamente no combate à pandemia de coronavírus. Para isso, me apoio apenas nos fatos. A primeira entrevista dada por Mandetta, assim que a Covid-19 atravessou fronteiras e continentes e se instalou no Brasil, parece, na essência, um videotape da última que acompanhei, nesta quarta-feira, 15 de abril.
Longe da retórica fácil e leviana de apontar o dedo acusador na direção de culpados exclusivos, mas a realidade mostra que permanece inalterado o panorama dramático anunciando pelo ministro logo no início da pandemia e reafirmado por ele em todo o seu transcurso.
Hoje, como no começo de março, ainda não há máscaras em quantidade suficiente as pessoas; hoje, como no início da pandemia, os profissionais de saúde, que arriscam suas vidas para salvar as nossas, seguem padecendo da falta de equipamentos de proteção individual, tais como máscaras N95, capotes, óculos, gorros, luvas e até álcool gel; hoje, como desde a descoberta dos primeiros casos no Brasil, poucos têm acesso aos testes para saber se estão infectados ou não, o que faz do Brasil o país de grande população que menos testa para coronavírus no mundo; hoje estamos muito próximos do colapso anunciado desde fevereiro dos sistemas de saúde, devido aos poucos leitos de UTI e respiradores que dispomos.
Claro que os fatores que contribuíram para que chegássemos a essa situação quase desesperadora são muitos. Vão da campanha midiática neoliberal contra tudo que é público ao subfinanciamento do SUS; da atuação dos lobistas da saúde privada nos espaços políticos e de poder ao congelamento dos gastos sociais; da disseminação da ideologia excludente do mercado à eleição de mandatários comprometidos com seus interesses.
E, pela lógica e dinâmica do Sistema Único de Saúde, baseadas na gestão compartilhada dos três entes da federação, prefeitos e governadores não podem se eximir de sua parcela de responsabilidade. Contudo, a passagem de Mandetta pelo Ministério da Saúde, em termos de realizações concretas e possíveis, deixou bastante a desejar, pois faltaram liderança e vontade política ao ministro para impulsionar esforços visando objetivos perfeitamente alcançáveis.
Nem vou falar dos respiradores que, vá lá, envolvem problemas mais complexos, o que não obsolve de forma alguma os governantes por suas falhas de planejamento e previdência.
Vamos a um exemplo simplório: é tolerável que um país que fabrica aviões sofisticados possa conviver com problemas de falta de máscaras, luvas e todos os outros EPIs?
Um pool de microempresas, até mesmo de fundo de quintal, teria dado conta disso. E quanto aos testes? Em que pese a dificuldade de exportá-los, faz sentido ocuparmos a lanterninha mundial nesse quesito?
Fica a impressão de que Mandetta é bom de entrevista, mas não de arregaçar as mangas e executar.