Deixei para escrever na manhã seguinte à divulgação do vídeo da reunião ministerial de Bolsonaro justamente para entrar no debate sobre sua repercussão, especialmente no campo democrático.
Um pouco surpreso, deparo com opiniões de pessoas respeitáveis segundo as quais a exibição da peça acabou favorecendo a Bolsonaro, seja porque ele aproveitou a oportunidade para, mais uma vez, insuflar seus apoiadores, ou devido à falta de novidade na polêmica com Moro, ou mesmo ainda por conta do uso de palavrões, o que o aproximaria do povão.
Na minha visão, o Brasil teve contato direto com o retrato sem retoques de como atua a corja que está à frente dos destinos do país. Vimos a céu aberto um encontro de inimigos e sabotadores do regime democrático, repleto de linguagem chula, de ofensas e ameaças de prisão de ocupantes de cargos eletivos importantes da República. Coisas típicas das mais horrendas ditaduras. O combate à pandemia que tem ceifado a vida de mais de mil seres humanos diariamente em nosso país foi solenemente ignorado.
Ao revolver as entranhas do poder executivo, também ficou clara a indigência mental e intelectual de seus integrantes, além dos planos do presidente de armar milicianos para se garantir no cargo, acima da Constituição do país. Nem as reuniões de cúpula do PCC ou do Comando Vermelho seriam capazes de descer tão abaixo do nível do esgoto.
Então, o enigma é: por que motivo ou motivos alguns analistas da esquerda conseguem enxergar ganhos políticos para Bolsonaro com o vídeo? A chave para entender o problema pode estar na expectativa criada em torno dele.
Alguém acreditava mesmo que esta história do Moro acusar Bolsonaro de interferência na Polícia Federal iria à frente? Entre a espuma da Globo e a realidade vai uma grande distância. Para um presidente cair porque tentou interferir no comando da polícia judiciária, teríamos que estar em um patamar escandinavo de consolidação democrática, quando vivemos uma democracia de baixíssima intensidade, onde não faltam atentados ao estado de direito.
Quem se decepcionou com o vídeo na certa alimentava a vã esperança de que dali surgiria finalmente a bala de prata que poria fim ao governo Bolsonaro. Sonho dourado.
Na vida como ela é, a queda de braço Moro x Bolsonaro sempre foi o menos relevante no vídeo. Para além disso, estava na cara que viria à tona o espetáculo repulsivo e deprimente que assistimos. E, evidentemente, mais cedo ou mais tarde, isso vai pesar fortemente contra Bolsonaro. É mais um grave fator de desestabilização de um governo cambaleante.
É preciso levar em conta também que no meio do caminho desses possíveis processos contra Bolsonaro há o sabujismo e a espinha curvada do procurador-geral da República, Augusto Aras. E só o PGR pode, por lei, abrir processo contra o presidente da República.
Outro exemplo de balela para tomar o tempo alheio é o caso do celular de Bolsonaro. O ministro Celso de Melo do STF não determinou a apreensão do celular coisa nenhuma. Apenas solicitou a Aras que analisasse o pedido feito em uma ação apresentada por partidos de oposição. O PGR vai negar e ponto final.
Sobre a preocupação de alguns de que o vídeo possa melhorar os índices de Bolsonaro nas pesquisas, nada de novo no front. Bolsonaro é o presidente pior avaliado para esse período de mandato desde a redemocratização. Mas os nossos acham que sua performance nos levantamentos é uma demonstração de força. Oscilar, com viés de baixa, entre 30% e 25% nas pesquisas é uma situação que claramente torna dificílima sua reeleição. Mas os nossos teimam em vê-lo como favorito. Fazer o que?
Contudo, a mais de dois anos da eleição, eventuais subidas ou descidas nas pesquisas têm menos importância do que o aumento da temperatura e da tensão nas instituições e na mídia contra Bolsonaro causado pelo vídeo. Estamos em uma guerra prolongada. Maratona e não 100 metros rasos.
Em síntese: Bolsonaro pregou para seus convertidos. E daí? Essa parcela minoritária de brasileiros e brasileiras é impermeável às causas civilizatórias, exatamente porque compartilha dos valores nefastos do bolsonarismo. Qualquer projeto de resgate da nação brasileira só será vitorioso com a derrota dessa gente.