Seria mesmo um otimismo exagerado achar que o judiciário seria capaz de decidir pela suspeição de Moro. Mas fazer o que? A luta por justiça e mudanças profundas na sociedade precisa de esperança para manter-se viva, apesar de ser do conhecimento geral o déficit de estofo jurídico, moral e de compromisso com a cidadania do sistema de justiça do Brasil, o mais caro do planeta.
Confesso que também embarquei nessa. De tão explícita e escandalosa, a perseguição a Lula por parte do então juiz Moro, conforme amplamente provada pela Vaza Jato, levaram-me a acreditar que Têmis, a deusa da Justiça da mitologia grega, acabaria por conquistar corações e mentes da maioria dos ministros da segunda turma do STF.
Oxalá eu esteja equivocado, mas o pedido de antecipação da aposentadoria do ministro Celso de Melo, decano do Supremo, do início de novembro para o próximo dia 13 de outubro, joga uma pá de cal na recuperação dos direitos políticos de Lula no curto-médio prazo.
Antes da analise da movimentação dos ministros em torno do caso, é importante recuperar o caminho percorrido até aqui.
Pautada pela segunda turma do Supremo a pedido da defesa de Lula, a suspeição de Moro já contava com os dois votos contrários esperados: os de Edson Fachin e Carmem Lúcia, conhecidos lavajatistas. Restavam os votos tidos como certos pela suspeição por parte dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Quanto a Celso de Melo, pairava uma incógnita acerca de sua posição, embora sua trajetória garantista indicasse o voto em favor de um julgamento justo para Lula.
Neste momento, Gilmar pede vistas do processo. Uma das hipóteses mais comentadas à época para justificar a interrupção da votação dava conta de que o ministro o fizera com o intuito de ganhar o tempo necessário para atrair Celso de Melo para causa da suspeição de Moro e assim assegurar a vitória por 3x2.
Não tardou, porém, para Gilmar emitir sinais de que não pretendia tão cedo devolver o processo para conclusão da votação. Em plena pandemia do novo coronavírus, ele diz, sem se comprometer com prazos, que a ação será remetida para votação presencial. Mas como se as sessões presenciais estavam suspensas devido à pandemia?
Na sequência, Celso de Melo pede licença médica, tornando ainda mais difícil a finalização da votação antes de sua aposentadoria. Nos dias que antecedem à licença médica, o decano da Corte confere prioridade absoluta ao processo no qual Bolsonaro é acusado de interferência na Polícia Federal, do qual é relator. Silêncio absoluto sobre a suspeição de Moro.
E a antecipação de sua aposentadoria anunciada nesta sexta-feira (25), na minha visão, revela uma conveniente batida em retirada, para se livrar do processo que envolve o presidente e, principalmente, não assumir a responsabilidade pelo voto decisivo para a devolução a Lula de seus direitos políticos.
Isso porque seu garantismo não chega ao ponto de contrariar os interesses do cartel da mídia, das forças armadas, do mercado financeiro e dos grandes empresários, todos perfilados em torno do objetivo de banir Lula da vida pública, custe o que custar.
Questão de luta de classes. Eles sabem perfeitamente que Lula, uma vez em campanha, torna-se praticamente imbatível. A classe dominante, que o levou à cadeia para impedir sua vitória em 2018, sente calafrios só de imaginar Lula percorrendo ao país, fazendo valer sua química de pele com o povo e falando direito ao coração das pessoas.
Abre parênteses: ainda que contrarie as expectativas e recupere seus direitos políticos, com a anulação das sentenças proferidas contra ele por Moro, não é certo que Lula seja candidato a presidente. Aliás, é bem possível que não seja, pois ele próprio já disse em diversas ocasiões que prefere ser cabo eleitoral, apoiando um candidato do PT ou de partido aliado. É de justiça, portanto, que estamos falando. Fecha parênteses.
Agora, Bolsonaro se prepara para indicar um ministro “terrivelmente evangélico”, ou um que tome cerveja com ele. Não conheço o regimento do Supremo. Desconheço se obrigatoriamente o novo ministro substituirá Celso de Melo também na segunda turma. Também sei que, na hipótese remota da votação acontecer antes da posse do novo ministro, o empate é pró-réu.
Mas que está escancarado o caminho para a consagração de mais uma brutal injustiça por parte do judiciário, ah, isso está.