Foto: João Roberto Ripper
Logo depois que a Organização Mundial de Saúde reconheceu oficialmente que o mundo estava sendo assolado por uma pandemia, em março de 2020, não faltaram vaticínios de que a humanidade seria forçada a avançar no pós-pandemia.
Jornalistas, analistas, acadêmicos e até políticos e economistas conservadores sustentavam que o modelo atual de governança global e de organização da sociedade se esgotara, bem como o padrão de consumo baseado na exploração selvagem dos recursos naturais.
A maior tragédia de saúde em 100 anos levaria finalmente à afirmação do bem coletivo em detrimento do individualismo, ao fim dos ataques neoliberais ao investimento público e à derrota dos arautos da financeirização da vida e adoradores do Deus Mercado.
A partir de uma tardia valorização da saúde pública, o resto viria de roldão. Ou seja, chegara a hora do ser humano. Uma ideia distributiva importante da esquerda, como a renda básica universal, vista até então pelo establishment econômico e político como inexequível, passou a ser cantada em prosa e verso pelos donos do dinheiro e seus porta-vozes.
Pano rápido: às vésperas da pandemia do novo coronavírus completar um ano, relatório lançado pela Oxfam intitulado “O vírus da desigualdade” mostra que o mundo caminha na direção contrária, ou melhor, na de sempre.
Um pequeno trecho do documento diz tudo: “O vírus expôs, se alimentou e aumentou as desigualdades de renda, gênero e raça já existentes. Mais de dois milhões de pessoas já morreram e centenas de milhões estão sendo jogadas na pobreza, enquanto muitos dos ricos (indivíduos e empresas) prosperam. As fortunas dos bilionários voltaram ao pico pré-pandêmico em apenas nove meses, enquanto a recuperação para as pessoas mais pobres do mundo pode levar mais de uma década.”
No Brasil, a elite de mentalidade escravocrata e que devota um ódio incontornável pelos pobres e negros também se esmera em reforçar o dito popular segundo o qual “pau que nasce torto morre torto.”
Embora sigam morrendo mais de mil brasileiros todos os dias, a imprensa sabuja, o ministro da Economia e as lideranças da direita liberal no Congresso não hesitam em continuar apregoando as “reformas” como panaceia para as males nacionais e única saída para o fundo de poço em que se encontra o país.
A palavra “reforma”, que nada tem a ver com a vida real, com empregos, salários e desenvolvimento econômico e social, é usada como eufemismo para mais espoliação do povo em benefício do rentismo sanguessuga do mercado e para a entrega de riquezas estratégicas do país a preço de xepa de feira.
Foi assim com as reformas trabalhista e da previdência e será assim com reforma administrativa e a radicalização pretendida do programa de privatizações. Contudo, mesmo diante de todas as dificuldades, aqui vale destacar que existe luta e resistência. E o pedido de demissão do presidente da Eletrobrás por encontrar obstáculos para levar a diante a venda da estatal pode e deve ser visto como uma vitória parcial da mobilização dos trabalhadores.
O mantra do teto de gastos, que nada mais é do que um biombo tecnocrático para esconder a pilhagem da economia nacional praticada pelos agentes do mercado, segue na ponta da língua de conservadores de todos os matizes.
Afinal, quanto menos o governo investir no social, mais sobrará dinheiro para pagar a montanha de títulos da vida pública em poder do mercado financeiro - conglomerado antinacional e antipopular formado por bancos comerciais e de investimos, corretoras, fundos, bolsa de valores, etc.
Difícil mesmo é pensar no mercado, ou falar e escrever a seu respeito, sem despertar os instintos mais primitivos de repulsa e sonhar de olhos abertos com uma utópica conjuntura revolucionária. Sonhar não custa nada.