Em condições normais de temperatura e pressão, Lula caminha para se eleger até com relativa tranquilidade em 2022. O xis do problema é saber até quando dura este voo em céu de brigadeiro.
Enquanto Bolsonaro aprofunda a cada dia seu isolamento e aumenta sua rejeição, agora acuado por denúncias escabrosas de corrupção, Lula se movimenta em direção ao centro e recupera a olhos vistos eleitores perdidos para Bolsonaro.
Tudo isso turbinado pela CPI e pela retomada do protagonismo da esquerda, que lidera manifestações de rua que não param de crescer. Mesmo analistas ligados ao mercado já anunciam seu ceticismo sobre a possibilidade de a eventual melhoria de alguns indicadores econômicos beneficiar Bolsonaro.
E, para ampliar o favoritismo de Lula atestado por todas as pesquisas, a tal terceira via parece uma miragem. Faltam nomes, um mínimo de unidade e, sobretudo, condições políticas objetivas para que o centro e a chamada direita civilizada ponham esta alternativa de pé.
Mas a história nos ensina sobejamente que não temos direito de alimentar ilusões, pois a nossa elite não hesita em apelar para o jogo mais sujo diante da mais ínfima possibilidade de perder privilégios.
Na visão tacanha, mesquinha e perversa dos capitalistas nativos, a mera inclusão dos pobres no orçamento é uma ameaça a ser rechaçada a qualquer custo.
Também o investimento em programas sociais feito por governos com compromissos populares causa exasperação entre os endinheirados, temerosos de que não seja honrado o pagamento da montanha de papéis da dívida pública que detêm. Outro fantasma a tirar-lhes o sono diz respeito aos obstáculos impostos pela esquerda ao saque do patrimônio público.
Sem quaisquer pruridos democráticos ou escrúpulos republicanos, a burguesia brasileira patrocinou a campanha que levou ao suicídio de Vargas, tentou impedir a posse de JK, se levantou contra a Constituição para evitar que Jango assumisse a presidência depois da renúncia de Jânio, participou ativamente das conspirações golpistas de 1964, deu vida à farsa do mensalão, esteve na linha de frente do impeachment sem crime que apeou Dilma do governo e sustentou a caçada e a prisão ilegal de Lula.
A história registra ainda contra-ataques institucionais e de caráter econômico para conter o favoritismo de Lula e a força da esquerda. Em 1994, por exemplo, Lula liderava com folga todas as pesquisas de intenção de voto quando o establishment sacou o Plano Real da algibeira e mudou os rumos da eleição.
Sabemos todos que após as anulações das sentenças contra Lula e a suspeição de Moro foram reduzidas a praticamente zero as chances de sucesso de uma nova armação judicial envolvendo o ex-presidente. Mas é pouco provável que os setores conservadores assistam de braços cruzados a uma disputa eleitoral que confronte civilização (Lula) versus barbárie (Bolsonaro), com resultado absolutamente previsível em favor de Lula.
Tudo leva a crer que desta vez eles apostarão suas fichas em uma manobra de natureza estritamente política, abrindo mão da instrumentação do Judiciário.
Assim, Bolsonaro que ponha as barbas de molho, porque o fantasma Lula pode perfeitamente lhe custar a cadeira no Palácio do Planalto antes das eleições do ano que vem. Imagino que deva passar pela cabeça de banqueiros, grandes empresários, donos dos grupos de mídia e políticos conservadores maquinações do tipo:
“Por que não aproveitar a tempestade perfeita que se forma contra o louco descerebrado do Bolsonaro para ejetá-lo do Planalto, fazer um governo de transição com Mourão e preparar uma candidatura anti-Lula que reúna todo o centro, toda a direita e até parte da extrema direita?”
Falta combinar, todavia, com o povo brasileiro, hoje fortemente inclinado a trazer de volta os tempos de prosperidade e normalidade democrática da era Lula.