Foto: Reprodução TV Câmara
Na segunda metade dos anos 80, depois de uma sessão repleta de baixarias, os repórteres reclamaram com o então presidente da Câmara dos Deputados, Ulisses Guimarães, do nível dos congressistas. O velho líder da oposição parlamentar ao regime militar respondeu de primeira: “Vocês ainda não viram nada, nem imaginam o que vem por aí.”
Embora tenha sido profético, o doutor Ulisses, decerto, não poderia imaginar o que estaria reservado para o parlamento brasileiro cerca de 35 anos mais tarde. Comparada com o nível rasteiro da Legislatura 2023/2026, a composição do Legislativo nos anos iniciais da redemocratização do país, quando Ulisses fez sua previsão pessimista, mais parecia uma Câmara dos Lordes britânica.
O governo Lula, portanto, se vê diante do desafio gigantesco de governar com um parlamento como o atual. Não resta outra saída para Lula que não seja enfrentar a realidade, fazendo acordos e concessões. Aliás, seria de bom tom que algumas críticas pela esquerda ao governo levassem em conta a correlação de forças congressual, afinal PT e aliados ficaram bem longe de eleger 51 senadores e 308 deputados, o quórum exigido para mudanças constitucionais.
Embora seja uma lástima o fato de a representação da extrema-direita ser numerosa na Câmara, com 99 deputados do PL e mais os que, movidos pelo antipetismo mais tosco se somam a eles, este nem é o maior problema.
A desgraça é a absoluta falta de civilidade e educação da grande maioria dos integrantes da bancada oposicionista, que têm revelado inaptidão para o dissenso, o debate democrático e o respeito à divergência, pedras angulares do funcionamento de qualquer parlamento ao redor do planeta ao longo dos séculos, desde a Grécia antiga.
O comportamento de deputados bolsonaristas, típico de arruaceiros, e não de representantes do povo, durante os depoimentos dos ministros Flávio Dino (foto) e Silvio Almeida, traz à tona uma evidência: nunca, jamais, em tempo algum o Brasil contou com um número de parlamentares tão desqualificados. Duvido mesmo que haja algo sequer semelhante em qualquer outro país de democracia consolidada.
O reacionarismo, o déficit de conviccão democrática, o golpismo, o despreparo e a estupidez acabam sendo turbinados por doses cavalares de oportunismo e pobreza de espírito.
Não invejo a sorte dos parlamentares dos partidos progressistas, obrigados por dever de ofício à convivência com uma oposição que não quer debater, mas sim agredir, que não pensa nos interesses do país, mas sim em lacrar nas redes sociais.
A mais nova agora é a tentativa de instalar uma CPI na Câmara, para investigar o MST, sob a justificativa de se tratar de um movimento terrorista. Até as 171 assinaturas necessárias já foram obtidas.
Que movimento terrorista é esse que é o maior produtor de arroz orgânico do país?
Que movimento terrorista é esse que tem cooperativas de produção espalhadas por todo o Brasil?
Que movimento terrorista é esse que é o terceiro maior produtor de leite do país?
Que movimento terrorista é esse que oferece ensino para crianças e adultos?
Que movimento terrorista é esse que acende no coração de centenas de milhares de pessoas a centelha da esperança de conseguir um pedaço de terra para viver e produzir?
E pensar que foi o eleitorado que levou essa turma para Brasília. Moral da história: ou o povo valoriza seu voto, ou o Brasil está lascado.