A recente entrevista do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, à revista IstoÉ desta semana não devia ter causado a perplexidade que causou entre petistas e apoiadores do governo. Afinal, é quase imperceptível a diferença entre o ser político Cardozo e os próceres do tucanato e dos demais partidos de oposição. Também, no essencial, o ministro reza na cartilha da mídia monopolista, a quem jamais ousou criticar. Nem mesmo capas criminosas como a da Veja desta semana mereceram qualquer reparo de Cardozo.
Não é à toa que ele vire e mexe ganha destaque nas páginas da mídia mais canalha do planeta. Quando juristas renomados questionavam as barbaridades cometidas por Barbosa no julgamento da Ação Penal 470, Cardozo pontificou nas páginas amarelas de Veja para legitimar a condenação sem provas, a utilização oportunista e canhestra da teoria do domínio do fato, o cerceamento do direito de defesa, a afronta ao Código Penal, ao Código de Processo Penal e à Constituição.
Chefe institucional da Polícia Federal, o ministro assiste passivamente a degradação da instituição, hoje totalmente fora do controle republicano. O nível de partidarização da polícia judiciária brasileira se consolida dia após dia. Suas ações e operações seletivas contra o governo, o PT e Lula fazem corar qualquer calouro de direito. Menos Cardozo, que não se envergonha de a PF ter se transformado, na sua gestão, num braço golpista e astro de primeira grandeza na campanha pela ruptura da ordem constitucional.
Não é possível enxergar boa-fé na deformação da Operação Zelotes, que como num passe de mágica abandonou as investigações sobre os grandes sonegadores para constranger os filhos de Lula. Na hora de prender de forma pirotécnica, para ter que soltar depois, a mulher e a cunhada de Vacari sob a justificativa ridícula de que foram filmadas em filas de caixas eletrônicos, a PF é de uma presteza digna de nota. Mas a mulher e a filha de Cunha, notórias titulares de contas na Suíça, são poupadas.
Perde tempo quem espera que a PF de Cardozo seja capaz de uma miserável ação sequer relacionada ao esquema de corrupção dos trens e metrôs de São Paulo, que atingem em cheio o PSDB. Idem sobre as patranhas de Furnas envolvendo Aécio Neves, ou as incontáveis acusações contra o governador Beto Richa, do Paraná. Também passou batido o helicóptero carregado de cocaína pertencente a um aliado de Aécio. Já pensou se fosse um amigo de Lula ? Ninguém lembra ainda de uma açãozinha que seja da PF por ocasião das investigações do mensalão tucano, hoje um monumento à impunidade, caminhando para a prescrição.
E o ministro ainda tem a coragem, exibindo seu conhecido republicanismo de fancaria, de dizer à IstoÉ a frase mágica que virou manchete da revista : " A lei vale para todos". Isso mesmo, ministro. É uma pena que no Brasil filiados ao PSDB e oposicionistas se mantenham a salvo da lei. Em vez bradar seu compromisso com os valores republicanos, o senhor deve à nação e aos cidadãos de bem uma explicação sobre os motivos dessa aberração que fere os preceitos do regime democrático.
Mas a pergunta que não quer calar continua sendo : por que razão misteriosa Dilma mantém Cardozo no governo ? Me nego a acreditar que ela não perceba a gravidade do que ocorre no âmbito do Ministério da Justiça. O que a presidenta ganha com isso ? Custo a crer também que a chefe do governo não se dê conta da dimensão do desgaste produzido por uma PF que pauta sua atuação por preferências políticas.
E o pior é que, ao que tudo indica, Cardozo é homem de confiança e um dos principais conselheiros de Dilma. Imagina o tipo de conselho que ela recebe.