A iniciativa brasileira aponta para uma nova era na política externa, em que princípios de justiça e direitos humanos desafiam pressões geopolíticas / AFP
Em uma decisão inédita e de forte impacto diplomático, o Brasil vai oficialmente aderir à ação movida pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça (CIJ), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), que acusa Israel de cometer genocídio no território da Faixa de Gaza.
Segundo a Folha, a informação foi confirmada por fontes ligadas ao Itamaraty, segundo as quais o governo brasileiro entendeu que “Israel deixa claro que vai continuar desprezando a diplomacia, fazendo o que bem entende contra os civis palestinos”. A atitude israelense não teria ficado restrita a Gaza, mas também se estendido à Cisjordânia — uma região que, conforme destacou um interlocutor, “nunca teve nada a ver com o Hamas”.
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“Chegou a hora de agir em outras frentes”, afirmou um diplomata sob condição de anonimato, referindo-se à decisão de ingressar no processo como terceira parte interessada. Com isso, o Brasil reforça sua posição de defesa dos direitos humanos e do cumprimento do direito internacional, mesmo diante de possíveis retaliações internacionais.
A entrada do Brasil na ação deve gerar ondas de reação tanto em Tel Aviv quanto em Washington. O presidente norte-americano Donald Trump, conhecido por seu apoio incondicional ao Estado judeu, já manifestou publicamente sua discordância com críticas ao governo israelense. Diante disso, há expectativa de que os Estados Unidos aumentem a pressão sobre o Brasil, especialmente em temas comerciais e diplomáticos.
O chanceler Mauro Vieira confirmou à emissora Al Jazeera, durante a cúpula do Brics no Rio de Janeiro, que o país está em vias de formalizar sua adesão ao processo. Questionado sobre o motivo do atraso, considerando que a ação sul-africana já dura dois anos, ele respondeu: “Nós fizemos enormes esforços para chamar por negociações. Os últimos desenvolvimentos da guerra nos fizeram tomar a decisão de nos juntarmos à África do Sul na Corte Internacional.”
Ao ser perguntado novamente sobre o tempo decorrido entre as declarações públicas do presidente Lula e a efetivação da participação brasileira, Vieira foi categórico: “Estamos trabalhando nisso, e você terá essa boa notícia em muito pouco tempo.” As declarações indicam que a decisão, embora tardia, é fruto de uma análise cuidadosa e estratégica.
Aceno político e posicionamento moral
O ex-chanceler Celso Amorim, atual assessor internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já havia dado pistas sobre o tom que o Brasil deve manter nas relações com Israel. Em entrevista à Folha de S.Paulo no início do mês, Amorim afirmou que o governo brasileiro não deve aceitar a indicação de um novo embaixador israelense no Brasil enquanto persistirem os ataques em Gaza e o elevado número de vítimas civis palestinas.
Por sua vez, a África do Sul voltou à CIJ recentemente com uma nova petição, denunciando que Israel teria escalado o conflito para “uma nova e horrenda fase”. Além dos bombardeamentos indiscriminados que já resultaram em mais de 55 mil mortos, o país teria atirado deliberadamente em pessoas que buscavam comida e em crianças que tentavam conseguir água em meio aos escombros de Gaza.
Israel nega todas as acusações
Diante das crescentes denúncias, o governo israelense mantém sua posição de negação absoluta. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel declarou que as acusações feitas à ONU são “totalmente infundadas” e “moralmente repugnantes”. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu reitera que as operações militares em Gaza são legítima autodefesa, em resposta ao ataque surpresa do Hamas em outubro de 2023.
No entanto, a cada dia que passa, o mundo assiste a imagens e relatos que colocam em xeque essa narrativa. Enquanto isso, países como Brasil e África do Sul buscam usar os mecanismos legais internacionais para cobrar responsabilidades e impedir que o sofrimento do povo palestino continue sem resposta.
Com a adesão do Brasil ao processo movido pela África do Sul, o país assume uma posição histórica no cenário internacional. Trata-se de uma decisão que vai além da política partidária ou momentânea: é um recado de que o Brasil não aceita a impunidade e reafirma seu compromisso com os princípios do direito internacional, os direitos humanos e a justiça global.
Para muitos analistas, esse pode ser o começo de uma nova era na diplomacia brasileira — aquela que prioriza valores universais mesmo quando confrontada com potências poderosas. E, para a sociedade civil brasileira e mundial que acompanha o conflito com atenção e indignação, a entrada do Brasil na ação representa mais do que uma simples mudança jurídica: é um gesto de solidariedade e esperança.
Enquanto os canhões ecoam em Gaza e os hospitais lotam com crianças desnutridas e feridos sem remédio, o Brasil escolheu o lado da história.
Ataque israelense em Gaza mata crianças que buscavam água e eleva tensão no Oriente Médio
A decisão do Brasil de aderir à ação sul-africana contra Israel marca um momento inédito na diplomacia e pode gerar retaliações de aliados como os EUA / Reuters
Em mais um episódio de violência descontrolada na Faixa de Gaza, um ataque aéreo israelense matou pelo menos seis crianças e quatro adultos neste domingo (13), enquanto eles tentavam obter água em uma distribuição humanitária no centro do enclave palestino. A informação foi confirmada por autoridades médicas locais e reforça as denúncias de que civis indefesos continuam sendo vítimas diretas da ofensiva militar israelense.
O Ministério da Saúde palestino, ligado ao Hamas, informou que, nas últimas 24 horas, 139 corpos foram levados para hospitais da região — o maior número registrado desde 2 de julho. Com isso, o total de mortos desde o início do conflito em 7 de outubro de 2023 subiu para 58.026.
Exército israelense reconhece erro
O Exército israelense reconheceu ter realizado um ataque aéreo naquela área, mas afirmou que o alvo era “um terrorista da Jihad Islâmica”. Segundo nota oficial, houve um desvio da munição, que caiu “a dezenas de metros do alvo previsto”. O caso está sob investigação.
Apesar da justificativa, especialistas internacionais e organizações humanitárias questionam a credibilidade dessas explicações, já que os ataques têm se repetido com frequência em zonas densamente povoadas, onde não há evidências claras de presença de combatentes.
Também no domingo, outro golpe abalou a já fragilizada comunidade médica de Gaza. O renomado médico Ahmad Qandeel foi morto em um ataque aéreo israelense que atingiu um cruzamento movimentado no centro do território. Segundo o diretor do Complexo Médico Al-Shifa, Dr. Mohammed Abu Salmiya, Qandeel era “um dos profissionais médicos mais respeitados de Gaza”.
Além dele, outras 12 pessoas perderam a vida e mais de 40 ficaram feridas nesse ataque. Essa nova perda agrava ainda mais a crise no sistema de saúde local, já colapsado após meses de guerra contínua e escassez severa de insumos básicos.
Ataques em Rafah também geram centenas de vítimas
No sábado (12), um outro ataque sangrento chocou o mundo: ao menos 27 pessoas morreram e centenas ficaram feridas quando forças israelenses abriram fogo contra civis que buscavam ajuda humanitária perto de Rafah, no sul de Gaza. O local é administrado pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), uma entidade apoiada pelos Estados Unidos.
A GHF negou qualquer incidente em suas instalações ou proximidades no dia. Já o exército israelense disse que não houve registros de feridos próximos ao ponto de distribuição, mas admitiu estar analisando os relatos. Por sua vez, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) relatou que seu hospital de campanha próximo ao local recebeu 132 pacientes com ferimentos causados por armas de fogo.
Dados do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) indicam que quase 800 palestinos foram mortos em pontos de distribuição de ajuda entre o final de maio e 7 de julho — muitos deles em ações relacionadas à GHF.
Nova onda de ataques no norte de Gaza
Enquanto isso, no campo de refugiados de Al-Shati, perto da Cidade de Gaza, pelo menos 13 pessoas foram mortas no sábado em novos bombardeamentos israelenses. O diretor do Hospital Al-Shifa, Mohammed Abu Salmiya, informou à CNN que 40 feridos foram encaminhados às unidades médicas. Vídeos geolocalizados divulgados nas redes sociais mostraram que entre as vítimas estava uma criança.
O Exército israelense afirmou ter destruído armas e túneis utilizados pelo Hamas no norte de Gaza, além de realizado ataques a mais de 150 alvos em diferentes regiões da Faixa de Gaza, incluindo “prédios com armadilhas explosivas, depósitos de armas, mísseis antitanque e posições de atiradores de elite”.
As esperanças de um cessar-fogo parecem cada vez mais distantes. Após dias de conversas no Catar, Israel e Hamas voltaram a se acusar mutuamente por impedirem um acordo. Enquanto os diplomatas negociavam nos bastidores, a guerra seguia em ritmo acelerado, com ataques diários que têm dizimado a população civil.
“Não há trégua fora da mesa de negociação”, afirmou um analista internacional que acompanha de perto o conflito. “Pelo contrário, a intensidade dos ataques aumenta a cada semana, e o preço mais alto continua sendo pago pelas crianças, mulheres e idosos que vivem em Gaza.”
Brasil e África do Sul avançam com ação na CIJ
Enquanto isso, no cenário internacional, o Brasil prepara-se para aderir oficialmente à ação movida pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça (CIJ), órgão das Nações Unidas, acusando Israel de genocídio. O chanceler Mauro Vieira confirmou à Al Jazeera que a entrada do país como terceira parte interessada será formalizada em breve.
“A decisão demonstra que o Brasil não vai continuar assistindo passivamente ao sofrimento humano em Gaza”, afirmou Celso Amorim, assessor internacional do presidente Lula, destacando que as relações com Israel serão mantidas em “níveis mínimos” até que haja mudanças concretas na política de ocupação e de guerra.
Diante de uma realidade marcada por mortes diárias, fome generalizada e destruição sistemática, a entrada do Brasil na ação internacional contra Israel representa muito mais do que uma decisão jurídica: é um gesto político e moral que ecoa em um momento crucial da história recente. Enquanto a guerra parece longe de terminar, a voz da justiça internacional começa a ganhar força — e o Brasil optou por fazê-la ser ouvida.