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Festa dos catadores protesta contra violência da PM

Por CUT                                                                                                                                   

 

Com o auditório do Ibirapuera lotado neste sábado (15), o projeto Pimp My Carroça celebrou em São Paulo cinco anos de atividades. A noite de celebração, com apresentação de Roberta Estrela D’Alva, Cazé Peçanha e o rapper Thaíde, também foi marcada por protestos. Na última quarta-feira (12), o catador e morador de rua Ricardo Silva Nascimento, de 39 anos, conhecido como Negão, foi assassinado pela PM na região nobre de São Paulo, a Vila Madalena, com três tiros. Sua carroça foi pintada de branco e acorrentada no local. Ricardo já havia sido convidado para participar do projeto, mas respondia que queria permanecer invisível, sem chamar atenção, conta Mundano. Com as luzes do auditório apagadas, o nome Ricardo Negão, pintado em uma carroça branca içada sobre o palco brilhava, enquanto os presentes faziam um minuto de silêncio em sua homenagem. Ao final, Mundano encerra seu discurso: “nossa luta vai continuar mais forte do que nunca, pois estamos unidos. Vamos ‘pimpar’ esse mundão!”.

Idealizado pelo grafiteiro Mundano, o Pimp My Carroça busca tirar da invisibilidade catadoras e catadores de materiais recicláveis e atentar para uma questão ignorada por parte da população e poder público: a reciclagem.

Segundo estatísticas, o brasileiro produz em média 400 quilos de resíduos sólidos por ano, mas apenas 12 quilos são efetivamente reciclados e 90% deles são coletados por catadores. Os outros serão aterrados, ou irão para locais não apropriados, o que, para Mundano, implica em retirar a renda de mais de 800 mil pessoas que vivem de reciclagem. “O poder público paga bilhões para empresas retirarem o que a gente ainda chama de lixo, mas que na verdade é uma riqueza, e enterram essa matéria prima finita. Empresas ganham milhões para dizer que são sustentáveis, mas é um mero discurso, porque quem faz na prática são os catadores. Essas pessoas fazem um serviço público. Eles fazem limpeza pública, coleta seletiva, logística reversa dos produtos das empresas, e deveriam estar sendo remunerados”.

'Reciclando ideias, realizando sonhos'

Em alusão ao programa norte-americano de TV Pimp My Ride, em que carros em péssimo estado eram restaurados, o Pimp My Carroça começou quando Mundano, após cinco anos atuando diretamente com catadores de resíduos sólidos, percebeu que não poderia avançar mais sozinho. Preparou um financiamento coletivo que superou as expectativas e atingiu 167% da meta, com R$ 63.950,00 arrecadados.

O resultado da vaquinha online foi um grande dia de mutirão, em maio de 2012, no Anhangabaú, centro da capital paulista, que ‘pimpou’ 40 carroças e envolveu 360 colaboradores e artistas. Além das pinturas personalizadas das carroças e instalação de itens de segurança, os catadores e catadoras tiveram atendimento médico e psicológico, massoterapia, doação de óculos de grau e escuros e veterinário para os cachorros. Desde então, o Pimp My Carroça passou por diversos lugares e inspirou outros projetos, atingindo números que são de grande orgulho para os envolvidos: cerca de 800 grafiteiros e artistas participantes, quase dois mil voluntários, 42 cidades em 12 países e mais de 840 carroças ‘pimpadas’.

No saguão do auditório estavam expostas 200 minicarroças feitas pelo marceneiro Francimar Vale, o França, com os tacos removidos do escritório do Pimp. Cada uma das carrocinhas foi personalizada por grafiteiros, músicos, catadores e ativistas, e foram vendidas entre R$ 100 e R$ 5.555 (para marcar o quinto aniversário). O dinheiro arrecadado será revertido para o desenvolvimento do aplicativo Cataki que conecta catadores – 300 já cadastrados – e pessoas interessadas em reciclar. Segundo a organização do evento, pelo menos metade das carroças foi vendida.

Para Mundano é um primeiro passo no objetivo de potencializar o que tem sido feito. “Já que a prefeitura não coleta, a gente vai facilitar a vida do catador. Estamos construindo juntos, não é solução, mas é uma alternativa para São Paulo e quem sabe para o Brasil”, espera. Alguns catadores contaram que já foram procurados por meio do aplicativo, que fornece os telefones dos que estão mapeados.

O garoto propaganda do Cataki, talvez por representar a aliança entre o catador e a tecnologia, foi Rodrigo de Souza Lucena, 32 anos, morador de rua há 27. Ele entrou no palco puxando sua carroça que é mais que ‘pimpada’. Equipada com três TVs de led (uma de 42 e duas de 24), com a antena da Sky e quatro potentes falantes regulados por controle remoto, ela pesa quase 700 quilos.

Sua primeira carroça foi preparada para transmitir os jogos da Copa de 2014. Ainda em áudio apenas. Ironicamente, um alemão (7 x 1) se interessou e a comprou por R$ 15 mil. Dizia ser um colecionador. Lucena já foi ajudante de cozinha, trabalhou na construção civil, mas foi como catador que se encontrou. “Os outros fazem lixo pra mim, e eu transformo em riqueza e devolvo em som e imagem pras pessoas. Sem pagar nada”, ressalta. Já investiu mais de R$ 10 mil em equipamentos para ‘pimpar’ sua carroça. Uma delas foi apreendida pela prefeitura e nunca mais foi vista. “Eles não dão valor ao nosso trabalho e ainda querem levar meus equipamentos. Tem muita discriminação. A prefeitura não consegue retirar o lixo da capital, porque eles não deixam as cooperativas avançar”, se indigna. E conclui: “não quero abandonar nunca o serviço de catador. Só quero que tenha mais apoio pra nós”.

Carroça Dourada

Outra grande novidade da noite foi a premiação, em treze categorias, de projetos e pessoas que ao longo da trajetória somaram e multiplicaram os objetivos do Pimp My Carroça. É o prêmio “Carroça Dourada”. Entre os homenageados, histórias inspiradoras, como a de Sebastião Duque (Catador Revolução) – que coleta em média 100 quilos de resíduos do mangue por dia em Olinda (PE) e construiu uma escola para cerca de cem crianças em seu bairro; a de Sergio Bispo (Catador Empreendedor); Fabiana Silva (Catadora Guerreira) e outras.

Natural de Cana Brava, na Bahia, Bispo, 60, chegou a São Paulo no ano de 1989. Seu trajeto durou 80 dias entre caminhadas e caronas. Morou por seis anos na rua e coletava material com sacos de lixo. Depois, aos pouquinhos, foi crescendo. Teve seu primeiro carrinho, e também sua primeira kombi, grafitadas pelo Mundano. Hoje, com filhos e netos criados com o seu trabalho de catador, está à frente do projeto de gestão de resíduos chamado Kombosa Seletiva. Seus clientes? Condomínios, restaurantes, indústria de material ortopédico. Já deu palestras para grandes empresas dentro e fora do Brasil. Ao ser chamado de empresário, Bispo rebate: “sou catador!”. O Pimp My Carroça, segundo ele, mudou a maneira de enxergar o próprio trabalho. “Eu pensava que catava o resíduo pra vender e comer. Hoje entendo que a gente tem o papel principal na cadeia de resíduos. Nós cuidamos do planeta e queremos ensinar as pessoas a cuidar do planeta para as futuras gerações”, diz com esperança.

A Catadora Guerreira da noite tem 38 anos e, mesmo com inúmeras dificuldades, a impressão que passa é que nada a abala. Fabiana Silva, hoje moradora da Favela do Moinho, na região central da cidade, saiu de casa aos sete anos, por sofrer abusos do padrasto, morou na rua, se viciou em crack, aos treze levou um tiro, já foi esfaqueada, estuprada, engravidou, foi presa... Superou o vício e os obstáculos. Com a carroça e os filhos, e por vezes os sobrinhos, que leva nas coletas até hoje, principalmente em período de férias escolares. Para ajudar? “Ajuda não, bagunça”, ri. Na primeira vez que ‘pimparam’ sua carroça fizeram até uma casinha para as crianças se protegerem da chuva. Pretende terminar os estudos – está no ensino médio – e fazer uma faculdade. Passou por tanta coisa que não se sente nem mais frágil, nem mais vulnerável do que os colegas homens, que são a maioria. “Já levei 1,054 quilo. Não somos frágeis. Eu carrego carroça que homem não carrega”, conta orgulhosa.

Sobre os próximos passos do projeto, o grafiteiro Mundano diz ter muito que comemorar, mas destaca os desafios. “Hoje celebramos muitas conquistas, porque é um cenário completamente complexo, pois trabalhamos com catadores, pessoas vulneráveis, num sistema opressor, mas por outro lado não podemos celebrar muito porque o desafio é enorme. Estamos vivendo um momento tenebroso, no Brasil e no mundo, um movimento crescente de opressão sobre a população vulnerável. Levantamos a visibilidade dos catadores em cinco anos, mas, além disso, a gente quer o reconhecimento, a remuneração e justiça”, diz referindo-se ao caso de Ricardo.

Em um misto de histórias reais de vulnerabilidade, dificuldades enfrentadas por grande parcela da população brasileira, de superações, inspirações e celebrações, o Pimp My Carroça, com uma rede de colaboradores que só cresce, parece estar preparado para mais cinco, dez anos e mais.

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