Em entrevista à Repórter Brasil sob a condição de anonimato, as filipinas disseram que foram parar no hospital após vomitarem e sentirem tontura devido à falta de alimentação adequada e ao trabalho ininterrupto. “Nos primeiros seis meses eu trabalhei sem nenhum dia de folga”, diz uma delas. Seu dia “normal” de trabalho começava às seis da manhã e terminava às dez da noite. “E se os patrões tivessem visitas, me pediam mais uma hora”, conta a trabalhadora. Ela diz nunca ter sido paga pelas horas extras.
A situação das filipinas era mais precária do que àquela comum às trabalhadoras domésticas brasileiras. Segundo Lívia Ferreira, auditora fiscal responsável pelo caso, embora o Brasil tenha regulação “forte” sobre o trabalho doméstico, os imigrantes estão mais expostos à exploração. “O relato delas é muito conciso e muito coerente, por isso a fiscalização entendeu que ocorreu trabalho escravo”, diz a auditora. O crime foi caracterizado pela combinação de jornada exaustiva, servidão por dívida e trabalho forçado.
O Ministério do Trabalho (MT) passou as informações para a Defensoria Pública da União, que anunciou que deve entrar com ações individuais pedindo verbas rescisórias e danos morais aos empregadores. Os casos também foram passados para o Ministério Público do Trabalho.
No total, os auditores do trabalho estão fiscalizando 130 empregadores, que serão intimados a apresentar os documentos de 180 trabalhadores domésticos – a grande maioria é de filipinos, mas também há alguns imigrantes nepaleses.
As três trabalhadoras foram agenciadas pela Global Talent, empresa especializada na contratação de domésticas estrangeiras. A agência será multada pelo Ministério do Trabalho por irregularidades no processo de visto, mas não foi responsabilizada pelo crime de trabalho escravo.
Procurada pela Repórter Brasil, a Global Talent afirmou desconhecer o “teor das constatações” do Ministério do Trabalho. “A empresa Global Talent repudia veementemente a alegação de que estaria utilizando-se ou agenciando mão de obra de pessoas em condições análogas a de escravos”, diz nota enviada pelo advogado da empresa. “A empresa Global Talent não contrata estrangeiros, já que seu trabalho é de providenciar e regularizar toda a documentação dos estrangeiros que pretendem trabalhar no Brasil”l (leia nota na íntegra).
Promessas enganosas
As trabalhadoras que conversaram com a Repórter Brasil relatam que o Brasil parecia a escolha mais segura por dois motivos. O principal era a promessa feita pelos agenciadores de que, após dois anos trabalhando, receberiam a residência permanente no país. Elas preferiam essa perspectiva aos salários melhores, que receberiam em outros locais como Hong Kong. A lei trabalhista brasileira seria outro atrativo, já que limita a jornada de trabalho e garante o pagamento de horas extras.
Ao chegar no Brasil, porém, as trabalhadoras descobriram que a promessa de residência era enganosa e a lei trabalhista não estava sendo aplicada. “A questão do engano é muito flagrante, é totalmente diferente como é vendida a vaga de empregos e o que elas encontram aqui,” diz a auditora.
As trabalhadoras agenciadas pela Global Talent entravam no Brasil de dois modos diferentes, de acordo com informações do Ministério do Trabalho. Uma delas seria através de uma agência filipina e outra através de uma empresa brasileira, a Serviços de Domésticas e Babás Internacionais (SDI).
Ainda segundo o Ministério do Trabalho, a SDI trazia os trabalhadores como turistas e regularizava sua situação por meio da solicitação de refúgio ou de visto de trabalho. A reportagem procurou a SDI, mas não obteve resposta.
Nota da CUT sobre o caso:
Migrantes sob trabalho escravo em condomínio e hotel de luxo em SP
A Central Única dos Trabalhadores (CUT-Brasil) repudia veementemente a ausência do Estado brasileiro na erradicação do trabalho escravo e no combate às violações aos direitos humanos dos/as trabalhadores/as migrantes no Brasil. A vulnerabilidade à qual trabalhadoras/es migrantes estão expostos em nosso país está evidenciada na brutal situação de trabalho análogo à escravidão na qual foram localizadas migrantes filipinas e nepalenses.
A falácia do ajuste fiscal da Emenda Constitucional 95 que aprovou o “teto dos gastos” públicos para os próximos vinte anos, inclui corte de 70% para atividades como a fiscalização sobre o trabalho escravo. Isto agrava a vulnerabilidade de segmentos da população historicamente mais atingidos com a incidência de trabalho precário como trabalhadores/as migrantes, trabalhadores/as indígenas, crianças, mulheres, negras/os, população LGBT e pessoas com deficiência.
Reiteramos que esse espezinhar dos direitos humanos fundamentais está ligado não só ao congelamento dos gastos, mas também pelo ataque reiterado aos direitos das/os trabalhadores/as efetivado pela aprovação da antirreforma trabalhista em julho de 2017 e pela apresentação da antirreforma da previdência para o próximo semestre.
A CUT-Brasil estará em todos os fóruns nacionais e internacionais denunciando os descalabros contra toda a classe trabalhadora e não vamos aceitar nenhum retrocesso!