A era Temer já tem mais de cem assassinatos por conflitos agrários. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que já há 65 mortes confirmadas em 2017. E alguns casos ainda estão sob análise. Os demais assassinatos ocorreram em 2016, no período após a queda de Dilma Rousseff (PT), entre a interinidade e a efetivação de Michel Temer (PMDB) na Presidência da República.
Na manhã de 12 de maio de 2016, o Senado votou pela abertura do processo de impeachment. No mesmo dia, Dilma foi afastada para dar lugar a Temer. Dessa data até o fim do ano – conforme o De Olho nos Ruralistas apurou junto à CPT -, 35 pessoas foram assassinadas por causa de conflitos no campo. Mais da metade do total de mortos (61) daquele ano.
A situação piorou em 2017. Segundo dados parciais da CPT, divulgados em janeiro, no mínimo 65 pessoas foram assassinadas por lutarem pela reforma agrária e por seus territórios tradicionais. Esse número pode aumentar se outras dez mortes sob investigação se confirmarem como assassinatos políticos.
Este observatório mostrou no ano passado que, entre 1985 e 2016, 1.833 pessoas foram mortas por conflitos agrários: "Democracia já tem quase 2 mil assassinatos políticos no campo". Com as 65 mortes de 2017, esse número chega a 1.898.
Cabe registrar que esses números não se referem a conflitos comuns (em decorrência de brigas entre trabalhadores rurais, por exemplo): referem-se a camponeses e lideranças assassinados em decorrência da disputa por terra.
Chacinas marcaram 2017
Os dados mostram o acirramento de uma tendência. O ano de 2016 já tinha uma marca histórica: o maior número de assassinatos desde 2003. Isso significou um aumento de 20% de mortos em relação a 2015. O ano de 2017 teve ainda mais mortes, 65, chegando perto da marca de 2003, quando 71 pessoas morreram.
De acordo com o relatório da CPT sobre 2017, os assassinatos dos anos anteriores caracterizavam-se pelos alvos seletivos: mortes de lideranças para amedrontar o restante da comunidade. No ano passado, uma metodologia mais antiga voltou à tona: chacinas, massacres, assassinatos em massa.
O relatório destaca alguns exemplos mais eloquentes, como a chacina de Colniza, no Mato Grosso, em abril, quando nove camponeses foram torturados e assassinados por pistoleiros a mando dos madeireiros da região. A chacina de Vilhena, em Rondônia, ocorrida no mês seguinte, vitimou três camponeses que lutavam pela reforma agrária na região.
O massacre com maior repercussão nacional foi o de Pau D’Arco, no Pará, também em maio. Policiais militares e civis executaram dez trabalhadores rurais sem terra. O Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE) chegou a determinar a soluta, em 18 de dezembro, de todos os PMs envolvidos nessa chacina. Na semana seguinte o Superior Tribunal de Justiça (STF) determinou novamente a prisão.
Segundo o relatório, os dados de 2017 confirmam uma tendência observada nos últimos dez anos: as vítimas continuam sendo assassinadas indiretamente pela expansão do latifúndio, do agronegócio, da mineração e das grandes obras de infraestrutura. Os atuais índices, destaca a pesquisa, conferem ao Brasil o título de país mais violento para populações camponesas no mundo.
O relatório descreve outros casos fatais e alguns episódios com vítimas que tiveram ferimentos graves. Os dados são preliminares e devem integrar o relatório final que a comissão divulga sempre no primeiro semestre do ano.
O papel das reformas
“O aumento da escalada dos assassinatos é também decorrente das reformas institucionais e desmonte generalizado dos programas sociais e para o campo em especial”, escreve em outra pesquisa João Cleps Junior, professor do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, onde coordena o Laboratório de Geografia Agrária.
Cleps falou sobre o tema na edição de dezembro do boletim DataLuta. “O rebaixamento ou mesmo o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Ouvidoria Agrária têm como consequência o aumento da criminalização e assassinatos no campo”, diz o pesquisador. Por encorajarem a impunidade.
Outro golpe contra as conquistas sociais, segundo ele, é a Medida Provisória que descaracteriza o trabalho escravo, suspensa pelo STF. “Os ataques chegam por meio de Medidas Provisórias, decretos e outras normas, sem discussão no Parlamento e com a sociedade em geral”, afirma.