Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) mostra que o agrotóxico é responsável pela má-formação congênita em bebês e pela puberdade precoce em meninas que, com apenas um ano de idade. desenvolvem mamas.
O estudo “Más-formações Congênitas, Puberdade Precoce e Agrotóxicos: Uma herança Maldita do Agronegócio para a Chapada do Apodi”, coordenado pela professora Ada Cristina Pontes Aguiar, investigou a relação entre os casos de más-formações congênitas e puberdade precoce ocorridos na comunidade cearense de Tomé, na Chapada do Apodi, que tem 2.500 habitantes, e as exposições ambientais e ocupacionais aos agrotóxicos nessa localidade. Desde 2014, cinco crianças foram diagnosticadas com má formação congênita e três com puberdade precoce.
“É um número muito elevado”, alerta a médica que afirma ter ficado surpresa com o resultado toxicológico dos exames de sangue e de urina feitos nas famílias entrevistadas e, também, da coleta da água de consumo na região durante a pesquisa.
“Foi encontrado organoclorado, tipo de inseticida cuja exposição contínua pode gerar graves lesões à saúde humana, em crianças de 2 e 3 anos. Esse produto químico é proibido no Brasil desde a década de 80. É um tipo de agrotóxico muito persistente no organismo e pode permanecer no corpo silenciosamente por anos e passar para as crianças no aleitamento materno”, explicou Ada.
Segundo a professora, a comunidade está muito suscetível ao uso do agrotóxico e muitas pessoas correm risco de contaminação seja ingerindo alimentos ou água, seja entrando em contato com a terra e o ar, uma vez que aeronaves passam espalhando o veneno por toda a cidade.
Apesar da confirmação de que o uso exagerado de agrotóxico causa problemas de saúde, como câncer, infertilidade, doenças neurológicas, autismo, problemas hormonais de forma geral, abortamento, prematuridade e até a morte, além de má formação congênita, o Brasil, país que mais usa esses defensivos agrícolas desde 2008, que aumentar o uso de veneno na agricultura. O Pacote do Veneno que está tramitando no Congresso Nacional e revoga a atual Lei dos Agrotóxicos, pode ser aprovado na Comissão Especial nesta quarta-feira (20).
Modelo produtivo
A médica Ada Cristina Pontes Aguiar, da Universidade Federal do Ceará, critica o modelo produtivo brasileiro, em especial a possibilidade de ampliação do uso do agrotóxico e sugere mais impostos para o agronegócio.
“Se com a proibição do uso dos agrotóxicos os fazendeiros usam veneno nas plantações matando e deixando milhares de brasileiros doentes, imagine se o uso for liberado?”.
“O poder econômico predomina e dita os rumos do nosso país. Infelizmente vivemos numa conjuntura com grande fortalecimento do setor do agronegócio, modelo adotado por este governo. Tem estados que, por fortalecer este tipo de modelo produtivo, têm 100% de isenção nos impostos”.
“É um absurdo isentar um modelo que polui e contamina, deveria na verdade é ser sobretaxado como o cigarro”, disse Ada Cristina.
A Chapada do Apodi, que fica na divisa do Ceará com Rio Grande do Norte, junto com a Serra da Ibiapaba e o Cariri, é uma das três regiões do Ceará onde o uso de defensivos agrícolas é mais intenso. Isso porque a agricultura irrigada, em especial a fruticultura, são bastante desenvolvidas na região, onde o agronegócio manda e desmanda.
Francisco Agnaldo de Oliveira Fernandes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi, que fica do lado do Rio Grande do Norte, disse que desde que o agronegócio começou a se instalar em Apodi o uso do veneno é sem controle.
“Muitos trabalhadores já me disseram que quando a fiscalização aparece as empresas mandam os funcionários esconderem os venenos em outros lugares”, denuncia.
Ele também critica a justificativa dos empresários ligados ao agronegócio que diz que os trabalhadores mexem com o veneno com equipamentos de segurança.
“O que adianta o funcionário que faz a aplicação do veneno usar roupas e máscara ideal para proliferar o agrotóxico e o camponês que faz a colheita não usar?”
Além de dizer que muitos médicos estão sendo coniventes com os empresários e não divulgam o aumento crescente de pessoas doentes pelo uso do veneno, Agnaldo também afirmou que há relatos diários nos postos de saúde de pessoas contaminadas. “Tem muita gente com depressão e câncer na região”.
Agricultura familiar como modelo ideal
É bom lembrar, que o agronegócio lucra trilhões com 100% da sua produção sendo exportada, mas, quem garante 70% dos alimentos na mesa dos brasileiros é a agricultura familiar.
Segundo Agnaldo, as famílias que produzem e vivem da agricultura são conscientes dos problemas que o veneno causa.
“Além da morte do trabalhador, o veneno mata a terra, a água, o ar”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras rurais de Apodi.
Quase 50% da população de Apodi trabalha no campo, segundo o último Censo do IBGE. A cidade é a maior produtora de arroz vermelho, feijão, milho, mel, hortaliças e aves, tudo vindo da agricultura familiar. Mas segundo Agnaldo, o governo dá mais subsídio para o agronegócio.
“As outorgas para o uso de água tem tratamento diferente. É muito mais fácil os empresários conseguirem do que a agricultura familiar”.
O sindicalista diz ainda que “pra nós é uma vergonha grande, um ataque tremendo ao modo e o respeito da vida. As empresas internacionais vêm em nossas comunidades exploram, envenenam, enriquecem e depois vão embora”.