As empresas poderão demitir trabalhadores e trabalhadoras que se infectarem com o novo coronavírus (Covid-19) porque não foram autorizados a fazer home office ou porque atuam em funções que só podem ser feitas no local de trabalho e, portanto, não puderam ficar em quarentena.
A permissão para demitir trabalhador infectado pelo vírus é um dos itens da Medida Provisória (MP) nº 927/2020, conhecida com MP da morte, editada pelo governo de Jair Bolsonaro. De acordo com a MP, a infecção não será considerada doença profissional.
Este item contraria a legislação previdenciária que, na hipótese de doença profissional, dá ao trabalhador o direito de estabilidade de um ano após seu retorno ao trabalho, afirmam especialistas.
“O artigo 29 da MP prevê que os casos de contaminação pelo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto se for provado que foi o empregador o responsável, o que muitas vezes é muito difícil”, afirmou o sócio do escritório LBS Advogados, Fernando José Hirsch.
Para Fernando, este artigo demonstra a grande preocupação do governo de dificultar o reconhecimento como doença profissional e não permitir estabilidade no emprego de diversos profissionais que continuarão exercendo suas atividades externamente em meio à pandemia.
Segundo ele, além da MP impactar na quantidade de óbitos no país, traz para o trabalhador o ônus de provar a doença, as atividades exercidas e se a empresa seguiu as exigências para não proliferar o vírus.
“O trabalhador precisará demonstrar que o empregador não disponibilizou os equipamentos de segurança, como máscara, álcool em gel, não respeitou exigência de distância entre os funcionários e entre funcionários e clientes, que a empresa não ofereceu higienização do local de trabalho, que proibiu o home office em atividades passíveis de home office e que não liberou os trabalhadores pertencentes ao grupo de risco”, explicou.
MP da morte
A secretária da Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida da Silva, disse que não é à toa que essa MP é considerada da morte. Segundo ela, essa MP é muito cruel, perversa, fragiliza o a saúde do trabalhador, é desumana e coloca a conta das consequências da pandemia só para o trabalhador pagar.
“Ela isenta das suas responsabilidades os empresários, que na maioria das vezes não fornecem equipamentos de proteção e não estão fazendo a devida higienização dos locais de trabalho. E o governo joga tudo nas costas do trabalhador”, afirma.
“Essa responsabilidade é da empresa, dos empresários, do Estado e também dos trabalhadores, mas responsabilizar só os trabalhadores é muito desumano”, ressalta Madalena.
MP versus STF
O Dr. Fernando ressaltou que a MP 927/2020 vem na contramão de uma decisão recente do Superior Tribunal Federal (STF), que reconheceu a constitucionalidade do artigo do Código Civil que prevê a responsabilidade objetiva do empregador em atividades de risco.
“Entendo que no caso do empregador que expõe o trabalhador ao risco do coronavirus a responsabilidade seria objetiva, sem necessidade de prova, já que ela é presumida, mas a MP protege as empresas de sua responsabilidade pelo adoecimento dos trabalhadores”, afirmou.
Ações da CUT contra a MP
A secretária da CUT reafirma "que não podemos concordar com esta medida de nenhuma maneira" e ressalta que o ideal é que o Congresso Nacional devolva essa MP ao governo.
Madalena lembra que o presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre, junto com sindicalistas de outras centrais sindicais está lutando contra esta medida em várias frentes, uma delas é conversando com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A CUT também está vendo a questão da possibilidade de entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
Papéis dos sindicatos, da CUT e das demais centrais sindicais
Os sindicatos, a CUT e demais centrais sindicais têm importantes papéis para as trabalhadoras e os trabalhadores, “eles são mais do que fundamentais”, neste e em todos os momentos em que os direitos dos trabalhadores são desrespeitados, destaca o advogado Fernando José Hirsch.
“Nesse momento todos os trabalhadores assalariados contam com a possibilidade de uma proteção jurídica por meio dos acordos coletivos e convenções coletivas”, afirma.
Alguns sindicatos já procuraram o setor patronal para definir trabalho em home-office, tele trabalho, férias coletivas, mecanismos de ausências remuneradas e outras situações que devem e podem ser reguladas por acordos.
Mas ainda existem muitos trabalhadores desprotegidos da CLT, que estão fora da regulação e proteção legal como os autônomos, os trabalhadores de aplicativos, os MEI e os chamados “informais” e é ai que entram a CUT e demais centrais.
“Por isso as centrais estão buscando alternativas legislativas para que todos possam ter uma renda mínima pelo período mais crítico. São esses trabalhadores e trabalhadoras que mais poderão sofrer, por estarem mais vulneráveis, e a existência de um fundo e de mecanismos de assistência para todos trabalhadores são fundamentais”.