Foto: Roberto Parizotti (Sapão)
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia colocou em destaque uma preocupação de autoridades brasileiras com a possível disparada dos preços ou até mesmo falta de alimentos no país. Tudo isso porque o Brasil importa 85% dos fertilizantes usados no país e a Rússia responde por 23% dessas importações.
Mas, o problema dos brasileiros, que já estão pagando preços absurdos pelos alimentos, não é a guerra. Independentemente do conflito iniciado pelo presidente russo Vladimir Putin, que pode reduzir ou zerar as importações, a responsabilidade maior da dependência do Brasil dos fertilizantes importados é dos governos do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) e de Jair Bolsonaro (PL). O primeiro iniciou o desmonte da produção no Brasil, em 2016 e o segundo prosseguiu arruinando o setor, fechando, arrendando ou paralisando obras das fábricas de fertilizantes.
Há dois anos o secretário de Comunicação da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Gerson Castellano, já havia alertado à reportagem do Portal CUT que o fechamento da Fábrica de Fertilizantes de Araucária, no Paraná (Fafen-PR), o arrendamento das unidades de Sergipe e Bahia e a paralisação das obras da fábrica em Mato Grosso do Sul, com mais de 85% prontas, provocariam o aumento dos preços dos alimentos, pela total dependência na importação do produto necessário à agricultura do país.
Para Castellano, principalmente o agronegócio não vai absorver os reajustes e vai repassar a alta dos preços ao consumidor, ou seja, os brasileiros que consumem proteína animal serão os que mais vão sofrer com o desmonte dos governos Temer e Bolsonaro.
“Antes da guerra o fertilizante teve aumento de 200% e o Brasil não sofreu o impacto por que já havia comprado o produto. O problema é que agora o preço já está em US$ 115 e a Rússia suspendeu a sua venda e a saída de grandes contairners por parte das empresas marinhas por causa das sanções impostas pelos EUA e Europa ao país”, conta o petroleiro.
O uso de fertilizantes na agricultura
Castellano explica que os nitrogenados, produzidos pela Fafen-PR, fechada em 2020 pelo governo Bolsonaro, eram utilizados principalmente na composição dos fertilizantes da agricultura familiar na produção de arroz, feijão, café, açúcar, cana, batata, milho e até soja, numa proporção menor do que os demais alimentos.
“O Brasil importa quase 75% dos nitrogenados, mas poderia ser totalmente autossuficiente se os governos Temer e Bolsonaro não tivessem desmontado o projeto do PT de aumentar a nossa produção, inclusive com uma nova fábrica em Minas Gerais, para diminuir a dependência estrangeira e o impacto do alto preço de fertilizantes, cuja cotação é em dólar”, diz.
Que é a população brasileira que vai pagar a conta desse processo de desmonte na produção de fertilizantes não tem dúvida alguma também o coordenador da FUP, Deyvid Bacelar. Para ele é cinismo da ministra da Agricultura, Teresa Cristina, dizer que está preocupada com a insegurança alimentar dos brasileiros, diante da crise dos fertilizantes.
Eles reconhecem um erro, mas não assumem que o erro é deles. Se nós tivéssemos mantido o plano de 2014 do ex-presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, o Brasil seria autossuficiente, mas com a mudança ‘estratégica’ errada dos governos Temer e Bolsonaro somos ainda mais dependentes do exterior- Deyvid Barcelar
“Não estaríamos passando por isso se tivéssemos o PT no governo federal“, acrescenta o dirigente.
Negócios sem transparência
As atuações de Temer e Bolsonaro são também responsáveis pelos prejuízos causados ao país com o fechamento da Fafen-PR e nos arrendamentos das fábricas da Bahia e Sergipe, afirma o secretário de comunicação da CUT Nacional, o petroleiro Roni Barbosa.
Para ele, os governos após o PT desistiram de investir nas fábricas de fertilizantes para ajudar no desmonte da Petrobras e deram a desculpa de que eram deficitárias.
“A Fafen-PR era lucrativa, mas depois que Temer condicionou o barril do petróleo extraído aqui ao valor internacional, com cotação em dólar, claro que a fábrica contabilmente ficou deficitária, mas o petróleo é produzido pelos brasileiros que recebem em reais e tudo aqui deveria ser na moeda nacional. O que eles fizeram nada mais foi do que uma manobra contábil para enganar a população.
Este é um governo que pensa que a soberania nacional dá prejuízo e por falta de estratégia põe todos os brasileiros em insegurança alimentar- Roni Barbosa
Leia mais: Em 2 anos, insegurança alimentar pulou de 10,3 milhões para 19,1 milhões de pessoas
Outro responsável é o ex-juiz Sergio Moro que comandou a Operação Lava Jato e paralisou as obras da fábrica de Mato Grosso do Sul, afirma Castellano. A Lava Jato além de ser responsável em fechar 4,4 milhões de vagas de trabalho, agora pode aumentar a fome dos brasileiros que já vivem em insegurança alimentar por causa dos altos preços da comida, diz.
“A obra do Mato Grosso do Sul e os projetos de Minas Gerais e Sergipe foram interrompidos por conta da malfadada Lava Jato que parou as obras de tudo em todo Brasil, causando desemprego e perdas de receitas”, afirma o dirigente da FUP.
O petroleiro conta como foi o desmonte da produção de fertilizantes no país. Tudo começou em 2016, quando, após golpe em Dilma Rousseff, a Petrobras comandada por Pedro Parente resolve sair da área de Fertilizantes Nitrogenados.
Em 2019 o governo arrendou as unidades de Sergipe e Bahia por 10 anos, prorrogáveis por mais 10, para a Unigel, uma das maiores indústrias petroquímicas do Brasil, no valor de R$ 177 milhões por todo o período. Um valor irrisório diante de um lucro de R$ 2 bilhões ao ano que a empresa anunciou em 2020.
“E mais, a Petrobras manteve trabalhadores próprios pagando seus salários e direitos por quase três anos para ‘ensinar’ a Uniger a operar as unidades da Bahia e Sergipe. Ou seja, a empresa ainda saiu lucrando com o trabalho dos petroleiros pagos com dinheiro da Petrobras”, conta.
Outro absurdo, segundo Castellano, ocorreu em 2020 com o fechamento e demissão de 1 mil trabalhadores da Fafen em Araucária, responsável por 40% da produção nacional de produtos utilizados nos fertilizantes, com 1.975 toneladas de ureia por dia e 1.303 toneladas de amônia, produtos básicos misturados ao nitrogênio, potássio e fósforo.
Castellano ressalta que o nitrogenado pode ser produzido a partir do petróleo e de restos de asfalto da Petrobras, mas com a paridade internacional do preço do petróleo praticado pela estatal, o lucro que a Fafen-PR obtinha tornou-se prejuízo, com a manobra contábil.
“Fecharam a fábrica de fertilizantes com a alegação contábil de prejuízo e que o mercado não iria se recuperar. Com o fechamento, a Unigel absorveu cerca de 70% dos trabalhadores próprios da Petrobras do Paraná que já estavam treinados, tinham larga experiência e mais, por conta do desemprego, aceitaram ganhar menos que ganhavam antes”, diz o dirigente da FUP.
Para piorar a dependência do país, o governo federal teme que as sanções econômicas impostas à Rússia impeçam que entre em funcionamento uma fábrica de fertilizantes em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, comprada da Petrobras em fevereiro deste ano, pela empresa russa Acron.
Empresa alternativa vendida abaixo do preço
Segundo Castellano, o Brasil tinha ainda a possibilidade de utilizar a Usina do Xisto em São Mateus do Sul-PR (SIX) com o uso do Xisto Agrícola, cujos estudos foram feitos pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), junto com Embrapa. O lucro da Usina em 2021 foi de R$ 250 milhões, mas foi vendida por R$ 176 milhões.
Amazônia não tem fertilizantes
O Brasil, segundo Castellano, tem poucas reservas de potássio, mesmo que alguns alardeiem sobre reservas na Amazônia, a quantidade não seria suficiente para reduzir nossa grande dependência do Canadá, Rússia e Bielorússia que detêm as maiores reservas mundiais com 90% e de Israel com 10%. O caso do Fósforo, os países Marrocos, China, Argélia e Síria, detêm 80% de todo este minério no mundo. Por isso, a dependência do Brasil por fertilizantes utilizados em ração animal, destinados ao agronegócio.
O petroleiro critica também Bolsonaro por dizer que têm esses produtos na Amazonia.
“É uma desculpa para invadir terras indígenas e liberar a mineração. Não há estudos geológicos que confirmem isso. O que ele quer é ter uma desculpa para desmatar a Amazônia”.
Resumindo para os que falam que o "problema" é a "maldita" legislação ambiental, fica a dica: não adianta passar o rodo, destruir florestas, matar animais e povos nativos, trazer de volta o Salles motosserra, pois continuaremos dependentes e muito de importações de potássio e fósforo- Gerson Castellano
“Salles motosserra” é uma referência ao ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, do governo Bolsonaro, que em reunião ministerial em abril de 2020 disse que poderia passar a “boiada” mudando a legislação ambiental, favorecendo a destruição de florestas e terras indígenas.
“Você pode derrubar tudo que mesmo assim terá que importar mais de 90% do fósforo e do potássio. Já o nitrogenado está em nossas mãos, temos petróleo e gás, só falta vontade do governo investir. A iniciativa privada quer unidade, mão de obra e mercado prontos, não quer investir”, critica o petroleiro.