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Em 2024, Jornada das Mulheres Sem Terra destaca luta pela terra, corpo e território

Por Fernanda Alcântara, na página do MST                                                                                                      

 

Foto: Mykesio Max

Com o final de fevereiro e o início dos aromas de março, as mulheres Sem Terra já começam sua jornada em defesa de direitos. A partir do lema “Lutaremos! Por nossos corpos e territórios, nenhuma a menos!”, a Jornada deste ano evidencia a luta diária e incansável dessas mulheres por seus corpos, territórios e direitos.

Confira abaixo a entrevista com Lucineia Freitas, da Direção Nacional do Setor de Gênero do MST, que compartilha as perspectivas e as principais demandas que serão levadas adiante nessa jornada de resistência e luta.

Com o lema “Lutaremos! Por nossos corpos e territóriosnenhuma a menos.”, a Jornada das Mulheres Sem Terra traz várias bandeiras. Eu queria que você descrevesse um pouco sobre essas bandeiras.

Se considerarmos o último período, a partir da luta no campo, diversos processos têm afetado a vida das mulheres com muita intensidade. A violência pode ser vista nos despejos, na mudança de legislação como a do agrotóxico, do marco temporal e na violência cometida pelas invasões dos territórios, nas expulsões e em tantas outras formas de violência que esse capital tem nesse espaço. E isso tem impacto na violência contra os corpos das mulheres. Pegando dados sistematizados pela CPT, tanto aumentou a violência sofrida, vamos dizer, de uma perspectiva social, com a morte de lideranças e do estupro – como no caso das meninas indígenas yanomamis -, como também na violência doméstica. Tivemos no último período várias notícias de feminicídios vinculados à zona rural, mas também a violência física, psicológica e política que acontece no âmbito doméstico.

Assim, quando a gente vai trazer a jornada de luta das mulheres a partir da perspectiva do feminismo camponês popular, esses processos se interagem. Não é possível falar de defender o direito à terra, ao território, sem pensar que tem corpos que fazem essa luta pela terra e pelo território e que esses corpos são afetados diferentemente. Com esse lema citando nos nossos corpos e territórios, estamos pautando a importância de enfrentar e de garantir o direito ao território. Assim, a demarcação do território dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais, dos diversos biomas, de garantir o direito a uma política pública de permanência nesse território. Estamos falando de política de quintais produtivos, que tenham uma política de crédito, que tenha uma política de saúde, de educação e diversos outros elementos que garantam a vida com qualidade, dignidade nesse território, mas também estamos fazendo este recorte das mulheres, pois é importante defender esse corpo, porque esse corpo também está sendo violado e violentado e por isso a gente demarca “nenhuma a menos”, de nenhum território a menos e nenhuma mulher a menos nessa luta contra a violência.

Nesse cenário de violências, o enfrentamento à fome, à crise climática e ambiental e à todas essas violências que você citou são elementos centrais nessa jornada. Como as mulheres sem terra têm se colocado diante desses desafios que são diários?

Quando a gente fala desses efeitos, quando a gente fala dos dados da fome, tanto no campo quanto na cidade, isso está vinculado à crise climática, mas também aos conflitos. E quando a gente fala dos alagamentos, quando a gente fala dos deslizamentos, a gente está falando de mulheres. Quem são as mais impactadas são as mulheres, porque é majoritariamente a população nesses territórios. E normalmente quem assume a liderança na organização, na reconstrução, são as mulheres.

Para nós, mulheres Sem Terra, enfrentar a fome, enfrentar a mudança climática passa necessariamente pela reforma agrária. Passa necessariamente pela garantia do direito à terra e ao território. O problema da fome no Brasil não é a produção. O problema da fome no Brasil é a dinâmica da produção, que não é de alimento, mas de mercadoria”

Se a agricultura familiar tiver um incentivo e uma organização das políticas públicas, temos potencialidade de garantir a produção e a alimentação da população, inclusive com um processo de exportação. Mas isso passa necessariamente pela implementação da reforma agrária popular e pela garantia dos territórios.

Outro elemento que trazemos é que só a reforma agrária consegue mudar o modo produtivo do campo com o agronegócio. O máximo que este consegue implementar são ações do capitalismo verde, que não enfrenta efetivamente a crise climática. Porque o problema não é fazer plantio direto, mas é toda a dinâmica de destruição da natureza que esse modelo implementa. Se você faz plantio direto e usa agrotóxico, polui a água, usa queimada para expansão do território plantado, não adianta. Precisamos encarar esses elementos, e não são possíveis de serem enfrentados no marco do modelo produtivo do agronegócio. E esse enfrentamento passa necessariamente pela garantia dos territórios e pela implementação da Reforma Agrária Popular.

Quais ações serão trazidas com o objetivo de reforçar o direito das mulheres no cenário atual, considerando também as comemorações dos 40 anos do MST?

Nossa jornada está prevista para acontecer entre 6 e 8 de março e vai contar com ações diversas, com acampamentos de formação, marcha e negociação a níveis estaduais, seja em órgãos federais ou em órgãos estaduais. A jornada se faz em diálogo com a sociedade, diálogo com o governo e ações de solidariedade, trazendo a importância de recolocar a reforma agrária na pauta política brasileira, porque hoje tem se questionamento sobre a importância dessa política.

Levaremos o diálogo com as mulheres urbanas da classe trabalhadora de forma geral, sobre o enfrentamento à violência e ao avanço do neofascismo, porque o fascismo tem como base o racismo e o patriarcado. Enfrentar as violências cometidas contra as mulheres, seja no campo ou na cidade, tem uma centralidade nessa perspectiva e perpassa por enfrentar a fome, aumentar os aparelhos sociais de atendimento às mulheres, que vai desde as casas das mulheres até as delegacias especializadas, mas também a organização do atendimento, aonde não tem esses espaços, a retomada dos hospitais de atendimento especializado.

Essa jornada traz uma pauta longa que dialoga com as mulheres da classe trabalhadora como um todo, além da pauta da alimentação, que é de interesse geral. E isso perpassa na comemoração dos 40 anos do MST, considerando que o Movimento nasce nesse enfrentamento dessa violência da expropriação. A afirmação do MST se dá por famílias expropriadas para o avanço de fazendas sobre seus territórios, e demarca a defesa do território como um processo permanente da defesa da dignidade, da defesa da vida. E o MST nasce também se propondo à produção de alimento, demarcando a importância de pensar o alimento dentro de uma perspectiva de enfrentar as crises climáticas e enfrentar as crises sociais. Tudo isso dialogando com o feminismo camponês popular, que avança nessa perspectiva de enfrentar a expansão do modelo do agro e todas as formas de violência inseridas nesse modelo racial e patriarcal.

Por fim, a paralisação da reforma agrária e o agronegócio também seguem presentes nas denúncias deste ano, como em algumas outras Jornadas passadas. Como essa dimensão política, em especial diante de um ano do governo Lula, estão colocadas?

De fato, houve a paralisação da reforma agrária e ela não aconteceu só durante o governo anterior. Vivenciamos nos últimos dez anos a redução considerável das políticas para implementação da Reforma Agrária, desde as políticas de acesso à terra, quanto das políticas de permanência na terra, porque é preciso pensar isso de forma integrada. Estamos pautando a reforma agrária a partir da defesa do direito ao território, Principalmente com as ações de caminhadas e de negociação e entendendo que quando falamos de direito ao território, estamos falando também de permanência no território para as famílias que já estão nesse território.

No MST, temos acampamentos que viraram assentamentos populares mas não são reconhecidos pelo Incra, sendo que estes já tem mais de 20 anos de existência. Precisamos assentar as mais de 60 mil famílias acampadas com o MST, mas também assentar as mais de 100 mil famílias acampadas com as diversas organizações de luta pela terra. Então a Jornada é uma forma de explicitar a violência no campo, o papel do Estado e como o agronegócio perpetua essas violências. Esse diálogo é uma das formas de pautar tudo isso, porque é a pressão popular que vai fazer com que o governo desenvolva políticas efetivas de construção e implementação da reforma agrária.

Outro ponto importante que a gente traz é a relação direta entre a implementação da reforma agrária e produção de alimento.

Só foi possível para o MST construir as jornadas de solidariedade, que são de antes da pandemia, mas que ganhou a dimensão durante o isolamento por causa da Covid-19, porque houve ocupação, houve assentamento, houve resistência; Foi o assentamento dessas famílias nesses territórios que garantiu a produção de comida nestas terras”

Foto: Daniela Moura/ Mídia Ninja

Então a Jornada traz esse elemento para o debate: só é possível enfrentar a fome que ainda assola o nosso país, só é possível enfrentar a inflação na alimentação, se a gente tiver efetivamente políticas de reforma agrária que garantam tanto a permanência de quem já está no território como o acesso a quem ainda está em processo de luta.

*Editado por João Carlos

 

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