Passa das 11h quando acaba a primeira assembleia geral entre os alunos da Escola Estadual Shinquichi Agari, na Vila Curuçá, zona leste de São Paulo. Jennifer Souza, de 17 anos, acaba de ser eleita secretária-geral do movimento de ocupação da unidade, que começou no dia anterior, 17 de novembro.
A ocupação da escola integra um movimento robusto que tomou conta do estado desde que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), anunciou, em nome de uma pretensa “reorganização escolar”, o fechamento de 94 unidades de ensino na região.
“O Alckmin quer fechar escolas e abrir prisões, não está preocupado com a nossa vida, com a nossa educação”, afirma a secretária-geral, já empossada e empoderada, repetindo um discurso comum entre os estudantes paulistas.
Desde as 8h, alunos se revezam em tarefas internas da escola. O café da manhã foi feito com suprimentos levados pelos pais, que antes de saírem para o trabalho, deixaram pão, leite, achocolatado, manteiga e queijo na entrada do prédio. “Vocês já terminaram de organizar a biblioteca?”, pergunta o presidente da ocupação, Welinton Dias, de 16 anos.
Todos os livros foram colocados em ordem e a sala foi limpa. “Nessa escola, temos apenas três mulheres que limpam todo o prédio. É um absurdo, porque aqui é muito grande e difícil para elas, por isso conseguimos deixar a escola melhor do que estava”, afirma Dias, enquanto mostra o pátio interno completamente limpo e já ornado com algumas plantas.
O almoço foi feito com alguns mantimentos estocados na escola para as merendas. Por conta da imprevisibilidade do tempo de ocupação, os estudantes pedem doações de alimentos não perecíveis e água. “Daqui, só sairemos quando o Alckmin voltar atrás, não tem outra possibilidade.”
A Shinquichi é uma das escolas que serão afetadas pela decisão unilateral do governo “reorganizar” a educação no estado. No prédio, serão abolidos os cursos de 1º ao 3º colegial, vedando o funcionamento do prédio no período noturno.
Os alunos afirmam que já se sentem vitoriosos, independentemente da resposta do governador diante da pressão popular por melhorias na Educação. “Olha, conseguimos coisas maravilhosas só com a ocupação. Isso me ensinou que só agindo, podemos modificar algo. Durante muitos anos, nós pedimos melhorias na estrutura da escola, a água é horrível, não tem segurança, as paredes são úmidas e as cadeiras quebradas. Desde que ocupamos, a Delegacia de Ensino veio aqui duas vezes e até arquiteto trouxeram, prometendo pra gente que as condições da escola vão melhorar”, afirmou o estudante.
Para justificar a persistência em manter aberta a escola, Jennifer e Welinton se revezam na explicação. “Meus pais estudaram aqui. Eu estudo aqui junto com meus dois irmãos. Já criei laços com a escola, que pertence à minha família também. Não tem sentido o governador querer nos tirar isso”, afirma o aluno.
Para Jenifer, a explicação vai para além dos muros da escola. “No período noturno, quando só funciona o colegial, a maioria dos alunos trabalha. Quem estuda nesse horário, mora perto do Shinquichi, não pode sair do outro colégio às 23h e caminhar meia hora até sua casa, é perigoso”, explica a estudante.
De acordo com alguns pais de alunos que se revezam na entrada da escola, durante uma reunião com a direção da unidade, eles foram informados de que seus filhos serão transferidos para o E.E. Pedro Viriato Parigot de Souza.
Roseli Freitas é mãe de duas crianças que estudam no Shinquichi e mantém um comércio na frente da escola. “Eu moro aqui do lado, a uma quadra da escola. Se mudar para o Parigot, meu filho de 14 anos, que ainda não trabalha, vai precisar pegar uma condução, não temos dinheiro para isso. E aqui é perigoso, não posso deixar o menino caminhar meia hora à noite, sozinho.”
Fátima Brasileiro, que é vendedora e mãe de uma menina de 17 anos que integra o movimento de ocupação da escola, defende a ação dos estudantes. “É até emocionante ver minha filha querendo mudar o mundo. Esse governador nunca veio nesse bairro e agora quer prejudicar ainda mais nossa vida?”, pergunta.
A tarde vai morrendo e os alunos começam a organizar a vigilância noturna. “Sempre tem uns pais, amigos e imprensa que vem aqui na porta. Só a polícia e a delegacia de ensino não vão entrar. Mas precisamos saber quem são as pessoas que se aproximam da escola”, explica Welinton, que está com fome. “Tem gente que nunca esquentou um leite e está fazendo nossa janta, estou com medo”, brinca, lembrando a inexperiência dos colegas com a cozinha.
Reintegração
Na manhã desta segunda-feira (23), os alunos das 107 escolas que estão ocupadas em São Paulo conseguiram uma importante vitória. Em decisão unânime, cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinaram, que poderão ser mantidas todas as ocupações de por alunos, pais e professores em protesto contra a reorganização do ensino imposta pelo governo Alckmin (PSDB).
De acordo com o TJ-SP, em sua decisão, nenhuma reintegração de posse será concedida ao estado de São Paulo, no que tange as ocupações de escolas. De acordo com os juízes, Alckmin não dialogou com alunos, professores e pais sobre a decisão de fechar as unidades.
Ainda de acordo com os desembargadores, há de se prezar pela segurança dos alunos, o que não pode ser garantido pelo Estado, em caso de invasão da Polícia Militar para remoção dos estudantes. O presidente da 7º Câmara, o desembargador Sérgio Coimbra Shmidt, criticou Alckmin e afirmou que não se pode fechar escolas quando estamos precisando avançar na questão da educação.