Tinha acabado de ler um ótimo artigo do professor Venício Lima, no qual ele discorre sobre como uma boa parte da mídia abdicou de fazer jornalismo em nome da militância oposicionista, quando deparo com o conhecido movimento de manada dessa mídia atacando a intenção do governo de enviar para o Congresso Nacional uma proposta orçamentária explicitamente deficitária.
Isso depois de o governo ter desistido de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), diante da gritaria que reuniu os endinheirados do país e seus porta-vozes na imprensa corporativa e monopolista. Então, ficamos combinados assim : com o agravamento da crise internacional, que se reflete em todas as economias globalizadas, o governo está proibido de aumentar suas receitas para fazer frente às sérias dificuldades fiscais, mas também apanha se assume o déficit orçamentário.
O que é isso senão a abdicação do jornalismo em favor do ativismo político ? Fica claro o esforço para impedir que seus ainda renitentes leitores, ouvintes e telespectadores reflitam de forma minimamente crítica sobre as coisas. O truque é simples : através de uma expressão forte e simplista, mas de grande apelo, como a "ameaça de aumento da carga tributária", dissemina-se o temor de que o Leão prepara mais um ataque impiedoso ao bolso dos brasileiros.
Se o interesse público não passasse ao largo das redações do PIG, a narrativa sobre a CPMF seria outra. Seria obrigatório refrescar a memória das pessoas, lembrando que a CPMF foi criada pelo governo de FHC através da Lei nº 9.331 de 24 de outubro de 1996 e vigorou até 2007, quando o Senado, por 45 votos a 34, pôs fim à contribuição.
Informaria também que sua última alíquota foi de 0,38%, ou seja, R$ 3,80 a cada cheque de mil reais emitido. Tipo de imposto progressivo, portanto, que poupa os pobres enquanto cobra uma quantia irrisória dos mais afortunados, que está longe de lhes fazer falta.
E o mais importante : trata-se de um poderoso instrumento de combate à sonegação, já que a retenção da CPMF deixa rastros inapagáveis da movimentação do dinheiro. Os críticos da CPMF batem na tecla do desvio de finalidade para execrá-la, pois foi criada para financiar a saúde, mas acabou também usada para outros fins. Aqui verifica-se o caso típico de se jogar a criança fora junto com a água da bacia. É evidente que desvios se coíbem com o aumento da fiscalização por parte dos órgãos de controle.
O debate sobre a natimorta CPMF relegou a segundo plano o fato de que o governo propunha uma alíquota bem menor, algo em torno de 0,20%, e que estados e municípios também teriam seu quinhão. Estudiosos da questão da saúde pública no Brasil são praticamente unânimes em apontar seu subfinanciamento como o maior desafio a ser superado. Saúde custa caro aqui ou em qualquer lugar do planeta.
E, no caso do Brasil, que ergueu o maior sistema público de saúde do mundo, o SUS, é urgente uma dotação de recursos maior por parte do Estado. Só assim um dia atingiremos a meta da universalização do atendimento de qualidade. A sociedade, portanto, está com a palavra : ou encara de frente o problema do financiamento da saúde, vital para o fortalecimento do SUS, ou a saúde jamais terá solução no nosso país.
Sei que é pedir demais para uma elite campeã em sonegação que se sensibilize com o drama dos que não podem pagar por um plano médico. Sei também que esses argumentos de pouco ou nada valem para quem acha que só porque paga impostos está desobrigado de pensar nos menos favorecidos e que é tudo culpa dos governos que gastam mal os recursos públicos. Contudo, os defensores da saúde universalizada e de qualidade sabem que a situação atual só será revertida com uma luta de longo prazo em defesa dos valores do SUS.