Stedile classificou 2015 enquanto “um ano perdido para a Reforma Agrária”, já que o governo não teria feito nada em relação ao tema (Confira a Carta de Caruaru).
Se o governo inventar de mexer na aposentadoria nos mobilizaremos em todo o Brasil, promete Stedile
A fala foi feita durante a coletiva de imprensa realizada em São Paulo, em que foi apresentado balanço crítico do atual momento político e as perspectivas do Movimento para o próximo período.
por Maura Silva, da Página do MST, 2 de fevereiro de 2016 21h03
Durante a coletiva de imprensa realizada na tarde desta terça-feira (2) no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, João Pedro Stedile e João Paulo Rodrigues, ambos da direção nacional do MST, apresentaram aos jornalistas um balanço crítico do atual momento político e as perspectivas do Movimento para o próximo período.
“Foram cortados 60% do orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Nenhuma área nova foi desapropriada, nenhum novo acordo assinado. E as atuais medidas de austeridade são negativas e burras. Porque, se o governo não toma providências para resolver as questões do campo, elas só se acumulam”, disse.
Stedile também lembrou o fato de ainda existiram mais de 100 mil famílias acampadas em todo o país, e que haveria recursos para fazer a Reforma Agrária, mas “o que falta é coragem e vergonha” por parte do governo federal.
Neste cenário, Rodrigues anunciou a agenda de lutas do Movimento, que começa no dia 8 de março com a Jornada de Luta das Mulheres, seguida com a Jornada de Abril, marcando os 20 anos do Massacre de Eldorado do Carajás. Segundo Rodrigues, este ano será marcado pelas diversas marchas e ocupações de terra por todo o Brasil.
Reformas
Sobre as reformas trabalhistas e da previdência social – propostas pelo governo federal -, Stedile afirmou que “a previdência é um fator de justiça social. Talvez esse seja o único benefício recebido ao longo da vida de um trabalhador. Se o governo inventar de mexer na aposentadoria acontecerão revoltas populares em todo o Brasil. O governo não é dono da previdência, o dono é a sociedade, e por isso qualquer tema relacionado a ela deve ser debatido com a sociedade”.
Para ele, a reforma na previdência interessaria apenas ao capital financeiro, que tem o objetivo de privatizar estes fundos no Brasil. “A menina de ouro do capitalismo moderno é a previdência privada. Aqui no Brasil, por força da luta dos trabalhadores, temos a prevalência da previdência pública. A crise econômica que estamos vivendo tem raízes na indústria, e não na previdência. A classe brasileira passou décadas lutando pela atual previdência, e não vamos entregar de mão beijada só porque dois ou três banqueiros querem”, concluiu.
O MST também reforçou sua postura contra a ofensiva conservadora que defende o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Entretanto, essa posição não significa que o Movimento seja a favor das atuais medidas de austeridade tomadas pelo governo.
“A posição do MST sempre foi contrária ao golpe, o que não significa que também somos a favor do que tem sido feito. A defesa do mandato é democrática e constitucional. A Dilma foi eleita, e a direita, a mídia golpista e a burguesia precisam respeitar essa decisão”, disse João Paulo Rodrigues.
Ao terminar, Stedile também apontou a necessidade de reformas mais profundas na sociedade, como as reformas política e dos meios de comunicação, e que todo esforço enquanto movimento popular seria para “animar a base para defender seus direitos, debater as mudanças sociais desse país e para entrarmos num reascenso do movimento de massas no Brasil”, concluiu.
Carta de Caruaru
Na semana passada, mais de 400 dirigentes do MST de todo o Brasil se reuniram na cidade de Caruaru (PE), durante o encontro da coordenação nacional do MST.
No final da atividade, os Sem Terra escreveram a Carta de Caruaru, em que apresentam um balanço crítico do atual momento político e as perspectivas para o próximo período.
1. A atual crise mundial do capitalismo, iniciada ainda em 2008, causa o aumento do desemprego, do crescimento da desigualdade social, a concentração da renda e riqueza além de intensificar o uso do aparato repressivo do Estado em todas as partes do mundo.
2. O grande capital se mostra incapaz de apontar saídas para essa crise do capitalismo. Acentua-se que será uma crise profunda, prolongada, que exigirá reformas estruturais. E suas consequências sociais são imprevisíveis.
3. No cenário nacional, à crise internacional do capitalismo soma-se o esgotamento do modelo neodesenvolvementista, baseado no crescimento econômico e na distribuição de renda com conciliação de classes, iniciado em 2003.
4. Frente à gravidade da crise, a classe dominante demonstra não ter unidade em torno de um novo projeto hegemônico para o país. Há setores da burguesia que persistem na defesa do modelo neodesenvolvimentista. E há outra parcela que almeja a retomada e o aprofundamento do modelo neoliberal.
5. A presidenta Dilma Rousseff, desde o início do seu 2º mandato, errou em implementar um programa econômico de medidas neoliberais, adotado do seu adversário político, derrotado nas urnas. Tal equívoco causou o agravamento da crise econômica e fragilizou o apoio popular que lhe assegurou a vitória nas últimas eleições presidenciais.
6. Mesmo assim, o governo seguiu cedendo ao grande capital, retirando direitos sociais e trabalhistas e dando continuidade ao ajuste econômico, que mostrou-se fracassado em 2015.
7. As anunciadas reformas trabalhistas e da previdência social – que penalizam a classe trabalhadora e, especialmente, as mulheres camponesas – são inaceitáveis; e, se concretizadas, provocarão uma onda de lutas populares em todo o país contra o governo.
8. Da mesma forma exigimos que o governo enfrente o modelo de agricultura do agronegócio. É uma agricultura financiada pela poupança social e subsidiada com recursos públicos, destinada a atender os interesses do mercado internacional. Esse modelo de agricultura provoca a concentração de renda e da propriedade da terra, aumenta a desigualdade social, produz alimentos com agrotóxicos, promove uma irracional destruição ambiental em nosso país e subordina toda cadeia produtiva agropecuária ao controle e interesses das empresas transnacionais e do capital financeiro.
9. Todo este contexto sinaliza um novo período histórico da luta de classes. Cabe à classe trabalhadora enfrentar o desafio de impulsionar as lutas populares nas ruas, construir a unidade da classe e alimentar o povo brasileiro com os ideais de uma sociedade avançada, socialmente justa e democrática.
10. Urge a classe trabalhadora construir coletivamente, através de todas as mediações, sindicatos, movimentos populares e partidos políticos progressistas, um novo projeto político para o país. Um projeto alicerçado na defesa e no aprofundamento da democracia popular, na distribuição da riqueza e na soberania nacional
11. A Frente Brasil Popular (FBP), criada em setembro/2015, em Belo Horizonte/MG, logrou unidade de uma parcela da classe trabalhadora em torno de uma plataforma política mínima de um projeto político para o Brasil. Como integrante da FBP, faremos todos os esforços para a sua consolidação nos estados e municípios. Cabe-nos, ainda, a tarefa de ampliar a FBP com outros setores e organizações, além de aprofundar o diálogo com outras Frentes existentes.
12. No campo, diante da ineficiência e apatia do governo em adotar medidas favoráveis à Reforma Agrária, iremos intensificar as mobilizações populares, as ocupações de latifúndios improdutivos e das fazendas, como estabelece a Constituição Federal de 1988, que não cumprem a função social.
13. Lutaremos pela Reforma Agrária Popular, centrada na distribuição da terra às famílias camponesas e em um novo modelo de agricultura brasileira. Uma agricultura que priorize a produção de alimentos sadios, baseada na agroecologia e na cooperação agrícola, associada com a implantação de agroindústrias nas áreas da Reforma agrária.
14. A Reforma Agrária Popular é indissociável do direito da população do campo ter acesso à educação e ao conhecimento. Assim, lutaremos contra o fechamento das escolas do meio rural e exigiremos, para cada área de assentamento, a existência física de escolas que assegurem uma educação pública, de qualidade social e gratuita. Educação é um direito e não uma mercadoria!
15. Juntos com a Via Campesina e os demais movimentos populares do campo, lutaremos pela soberania alimentar de todos os povos, em defesa das sementes como um patrimônio da humanidade, e pelo alimento ser um direito do ser humano e não uma mercadoria que visa apenas os lucros das empresas transnacionais, às custas da miséria e da fome de milhões de seres humanos.
Enfim, assumimos o compromisso de dar continuidade e intensificar as lutas populares de 2015. Iremos, em 2016, voltar às ruas contra forças imperialistas, a direita partidária, o conservadorismo do Congresso Nacional, o oligopólio da mídia, os setores reacionários e golpistas incrustados no aparato estatal. Estes querem fazer o país retroceder nas conquistas democráticas já obtidas, nos direitos trabalhistas conquistados e no avanço das políticas econômicas que reduzem a desigualdade social.
Será um ano de muitas lutas e de superação de desafios na construção da unidade da classe trabalhadora, do reascenso das lutas populares, da solidariedade com todos os povos em lutas e na construção de um projeto político popular para o nosso país.
Caruaru/PE, 30 janeiro de 2016.
Coordenação Nacional do MST
Lutar, construir a Reforma Agrária Popular!