Paul Canoville durante jogo entre Chelsea e Portsmouth, em 1983 Mark Leech/Getty Images
Neste sábado (23), o Chelsea visita o Leicester City, às 9h30 (de Brasília), pela Premier League, com transmissão ao vivo no Disney+. E, na semana que o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra, a ESPN relembra uma importante história de combate ao racismo na Inglaterra.
Se hoje metade do elenco e alguns dos maiores ídolos da história do Chelsea são jogadores negros, como Didier Drogba, há quatro décadas o cenário era totalmente diferente em Stamford Bridge. No início dos anos 1980, o plantel do time de Londres era 100% branco, com um ambiente assustador e carregado de preconceito nas arquibancadas.
A história começou a mudar a partir de 1982, quando os Blues contratam o atacante Paul Kenneth Canoville, que veio do Hillingdon Borough e se tornou o primeiro jogador negro da história do Chelsea.
Em entrevista à ESPN, o ex-atleta relembrou a recepção carregada de ódio que teve em Londres e relembrou os tempos tenebrosos de intolerância racial na equipe britânica.
"Quando eu ia da estação (de metrô) para o estádio, você não via negros ou estrangeiros com a camisa do Chelsea porque seriam atacados (pelos torcedores brancos)", recordou.
"O racismo era assustador, era terrível e doloroso. Eu não esperava que seria assim no futebol profissional", lamentou o ex-atacante, que jogou cinco anos pelos Blues e ganhou o título da 2ª divisão em 1983/84.
Segundo Canoville, o pior momento foi em sua estreia pelo Chelsea, em 12 de abril de 1982, contra o Crystal Palace, em Selhurst Park.
Ao ser chamado para entrar pelo técnico John Neal, o jogador começou a aquecer e passou a ouvir diversas ofensas racistas, além de ser alvo de arremesso de bananas.
Ele pensou que elas vinham da torcida do Palace, mas a triste realidade era que os próprios torcedores do Blues estavam lhe ofendendo, já que não queriam ver um atleta negro atuar pelo clube.
"Quando fui aquecer, eu estava animado para entrar, mas aí levei um 'golpe'... Comecei a ouvir ofensas racistas sendo gritadas e achei que eram torcedores do Crystal Palace. Bananas e frutas sendo jogadas (no campo)... Eu me virei com raiva, mas também chocado, porque não eram torcedores do Crystal Palace, eram os meus. Para mim foi difícil cada jogo viver isso, todo sábado viver isso", contou.
O racismo contra Canoville persistiu até 1986, quando ele deixou o Chelsea e foi para o Reading. Apenas uma temporada depois, porém, sofreu grave lesão no joelho e teve que encerrar a carreira profissional com apenas 24 anos.
Depois disso, a vida do atleta virou um abismo sem fim. Sem renda, virou morador de rua e sofreu com o vício em drogas.
Em seu pior momento, porém, foi o mesmo Chelsea onde ele foi tão maltratado que veio ao "resgate".
"Você fez tudo isso acontecer"
Cerca de 20 anos depois dos muitos abusos raciais que recebeu da torcida, o clube de Stamford Bridge iniciou um processo de retificação desta triste parte de sua história.
Já reabilitado do vício em drogas, Canoville foi procurado pelos Blues para ser um dos símbolos de uma nova era no clube.
"O historiador Rick Glanvill entrou em contato e falou: 'Cara, a gente estava te procurando'. Eu pensei: 'Por quê?'. Ele disse: 'Você não sabe da importância da sua história no clube'", rememorou.
"Eu não entendi o que ele estava querendo dizer. Fui convidado para voltar aqui em 2004, para um jogo contra o Manchester City. Eu vi o Drogs (Drogba), o Marcel (Desailly) e vários jogadores (negros) e pensei: 'Uau!' Fui levado ao campo e depois, quando saí e voltei par a minha cadeira, o torcedor atrás de mim me falou: 'Paul, foi você que fez isso acontecer!'. Foi um momento de orgulho para mim", emocionou-se.
Atualmente, Canoville tem uma fundação que recebe apoio institucional do Chelsea. Ele trabalha em escolas, educando jovens sobre racismo e contando sobre tudo o que viveu no futebol.
Em Stamford Bridge, o ex-atacante também passou a ser presença frequente nos jogos, recepcionando torcedores e sendo reconhecido como parte importante da história dos Blues.
"Alguns (torcedores) vêm pedir desculpas para mim e percebo agora que vão explicar para suas crianças as consequências do racismo para os jogadores negros", relatou.
Um dos setores de arquibancada do estádio, aliás, foi "batizado" com seu nome: o "The Canners Way". Além disso, ele tem um camarote exclusivo que também leva seu sobrenome.
Para o ex-atleta, isso é uma honra inestimável.
"Eu entro lá (em Stamford Bridge) com sorrisos e é legal passar lá, as crianças perguntando quem é, e os pais respondem que é Paul Canoville e o local é uma homenagem a ele. E é a maior suíte no clube. Fiquei emocionado, não vou mentir, tinha lágrimas nos olhos. Ser reconhecido assim significa muito", finalizou.