A realidade da maioria dos jogadores de futebol passa longe do luxo e do glamour dos grandes clubes brasileiros. Sofrendo com salários baixos, que constantemente atrasam, vários atletas precisam fazer um trabalho por fora para complementar a renda. O atacante Érick Foca, do Duque de Caxias, que disputa a Série B do Carioca, divide seu tempo entre os gramados e um táxi nas ruas do Rio de Janeiro.
Revelado nas categorias de base do Flamengo, o jogador de 27 anos sofria com o desemprego após o final do Estadual de 2013 quando resolveu aceitar um convite para a nova profissão.
"Estava bastante tempo parado e a maioria dos times menores do Rio não paga em dia. Meu pai foi taxista por 38 anos e quando eu estava cinco meses sem salários nos tempos de América-RJ ele falou pra eu pegar o táxi e fazer um dinheiro", contou o jogador, ao ESPN.com.br.
"Como tinha uma filha pequena, eu aceitei. É uma opção de trabalho quando estou sem clube, mas agora eu estou no táxi mesmo após acertar com o Duque de Caxias. Depois dos treinos eu vou fazer um dinheiro extra no táxi porque o futebol não está fácil", prosseguiu.
Mesmo sendo encarado como um "bico", Erick garante que dirigir profissionalmente é mais vantajoso do que o futebol. "Sinceramente, hoje ganho mais como taxista se ficar só nisso do que jogando bola. Quando estava numa situação melhor, fazendo gols e em evidência recebia mais. Só que eu preciso do futebol para poder retomar minha carreira, conseguir me projetar de novo e daí sim ter um salário melhor", afirmou.
O atacante acompanhou de perto as manifestações contra o Uber, empresa multinacional americana de transporte privado urbano através de um aplicativo e que oferece um serviço semelhante ao táxi tradicional, conhecido popularmente como serviços de "carona remunerada". Para ele, a quantidade de taxas pagas pelos taxistas é injusta se comparado ao novo concorrente.
"Eu e mais seis irmãos fomos criados pelo meu pai que era taxista e sei o quanto ele ralou com isso. Para poder ter algum lucro a gente precisa ficar muitas horas na rua pilotando. Nós pagamos muitas taxas como taxistas para trabalhar. Ou a prefeitura faz todos pagarem a mesma taxa ou ninguém paga. Ou o Uber paga o que a gente paga, ou a gente só trabalha com aplicativo e acabou, bora trabalhar. O que não pode é a gente pagar uma série de taxas e os caras nada", analisou.
"Os carros deles são de luxo, mas depois do Uber X não tem nada de luxo. São populares e muito mais baratos que o táxi, eles prejudicaram muito mais do que Uber Black, que são carros de luxo", continuou Érick, sem medo de criticar o serviço.
Histórias com passageiros
Trabalhando como taxista, Érick coleciona diversas histórias engraçadas com seus passageiros. Segundo o atacante do Duque de Caxias, são muitos os tipos de pessoas que entram em seu carro, inclusive atores e jornalistas.
"Eu já levei alguns amigos jogadores de futebol e uma vez uma equipe da ESPN do aeroporto para Botafogo, onde ficava a sede. O cara lembrou de mim porque joguei no Nova Iguaçu, foi ano passado. Já levei uma atriz da Record que está há pouco tempo", contou, sem se lembrar dos nomes.
Já houve até o caso de passageiros que tentaram 'mexer' com ele. "Tem cara que não respeita a gente (risos). Alguns homens gays ficam fazendo perguntas indiscretas, perguntam o tamanho do 'negócio' e já fico sério e coloco limite (risos)", gargalhou.
E quando o usuário do táxi é aquele bêbado que acaba de sair da balada?
"São os piores de todos (risos). Eles querem abrir o vidro, mexer no som, ficam gritando. Eu evito fazer corrida de madrugada e, quando estou trabalhando de noite, evito pegar caras de balada que estão com amigos porque querem fazer alguma gracinha (risos)", lembrou.
"Já levei várias vezes em p... também (risos). Esses dias mesmo peguei um cara que saiu do aeroporto, falou que estava estressado, trabalhando demais e foi pra lá dar uma relaxada na casa de massagem (risos)", diverte-se.
Com gringos também há problemas. Às vezes ele consegue se virar em outras línguas, como no alemão, uma vez que já atuou pelo Goppingen, da quarta divisão da Alemanha. Mas quando entrou em seu carro um japonês, as coisas complicaram.
"Ele saiu de Botafogo, no hotel Mercury, perguntou quanto era pra ir ao Galeão, mas não posso fazer corrida fechada, tem que ligar o taxímetro, né? Ele me irritou muito. O cara não queria pagar a corrida, daí começou a gritar. Eu saí do carro, fui ao hotel e chamei o pessoal, mandei explicarem a situação a ele. O cara era muito ignorante, tinha andado e queria que eu desse o preço, mas não posso fazer isso, é ilegal", disse, revoltado.
"Ele deu um tapa no meu carro e parecia o Jackie Chan de tão maluco, mas no final acabou pagando o quanto tinha sido mesmo", contou, comparando o homem ao famoso ator chinês de filmes de ação.
Sem deixar de lado a profissão de jogador de futebol apesar dos baixos salários, Érick afirma, entretanto querer logo deixar o Brasil. Ele estreará pelo Duque de Caxias na semana que vem. Recentemente, algumas propostas do futebol europeu surgiram para ele se transferir de volta ao Velho Continente.
"Quero jogar até uns 34 anos. Tenho contrato com o Duque de Caxias até o final do campeonato estadual. Quero ir embora no meio do ano para fora do Brasil porque o futebol do Rio está acabado. De estrutura, temos bons profissionais, mas está acabando nos times menores", finalizou;