A população da Catalunha foi convocada para ir às urnas neste domingo para decidir sobre a independência da região mais rica da Espanha num polêmico plebiscito, que divide o país.
O governo catalão - controlado por separatistas - quer declarar independência em 48 horas se o "sim" vencer no plebiscito. Já o governo central espanhol considera a votação ilegal, e a Justiça ordenou sua suspensão.
A votação começou com um clima tenso e relatos de confronto. No meio da tarde, na Espanha, a prefeita de Barcelona, Ada Colau, afirmou que 460 pessoas ficaram feridas no embate com as forças nacionais de segurança. Pelo menos 11 policiais também se machucaram, segundo o governo central.
O líder separatista Carles Puigdemont criticou o que chamou de "violência desnecessária". A Guarda Civil disse que "resistiu ao assédio e à provocação" dos eleitores ao mesmo tempo em que realizava seus deveres "em defesa da lei".
Para tentar impedir a consulta popular, centros de votações e de contagem de votos estão sendo interditados por homens da Guarda Civil e da Polícia Nacional. Os policiais foram orientados a recolher urnas e cédulas e a retirar, mesmo que à força, eleitores dos locais onde milhares são esperados para decidir sobre a independência da Catalunha.
O governo central criticou a ação da polícia local, a Mossos d'Esquadra, chamando-a de "passiva" e determinou que as forças nacionais agissem, segundo o jornal espanhol El País. "A polícia autônoma ignora a ordem do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha de desocupar os colégios a partir das 6h", diz o jornal.
Na manhã de domingo, eleitores foram retirados à força num centro esportivo no município de Sant Julia de Ramis, na província de Girona, onde o presidente regional da Catalunha, Carles Puigdemont, era esperado para votar. Foram homens da Guarda Civil que quebraram a porta do local para desocupá-lo e recolher o material usado no pleito.
Apesar de relatos de enfrentamentos, a votação ocorre normalmente em outras seções, inclusive em Barcelona, a capital catalã. O governo catalão diz que mais de 73% dos colégios eleitorais estão abertos.
Na véspera do referendo, houve protestos pacíficos contra e a favor de uma possível separação da região autônoma. Madri, capital do país, foi palco das maiores manifestações contrárias à realização do referendo. Estima-se que cerca de 10 mil pessoas passaram pela praça Cibeles, onde fica a prefeitura. Mesmo em Barcelona, capital catalã, houve atos contra a consulta.
Desde a noite de sexta-feira, mais de 160 escolas foram ocupadas pacificamente por defensores do plebiscito. Mais da metade das 2.315 que funcionariam como seções eleitorais foram fechadas pela polícia, segundo o governo central.
Apesar do clima tenso, milhares de eleitores são esperados em seções eleitorais para responder a uma única pergunta: "Você quer que a Catalunha se torne um Estado independente na forma de uma República?".
O que, afinal, despertou a busca pela independência dessa região de 7,5 milhões de pessoas - e será que ela será concretizada?
1) Como se chegou até aqui?
A Catalunha, cuja capital é Barcelona, é uma das regiões mais prósperas e produtivas da Espanha, e sua história tem quase mil anos.
Antes da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), a região já tinha ampla autonomia em relação ao governo central, mas isso mudou com a ditadura de Francisco Franco (1939-1975).
Quando Franco morreu, o nacionalismo catalão reacendeu, e a região voltou a gozar de autonomia sob a Constituição de 1978.
Uma legislação de 2006 garantiu ainda mais poder ao governo regional, dando à Catalunha o status de "nação" - mas isso foi revertido em 2010 pela Corte Constitucional espanhola.
Em 2015, separatistas venceram a eleição governamental e decidiram realizar o referendo deste domingo - com base em uma votação não oficial de novembro de 2014, quando 80% dos votantes deu sinais de apoio à independência catalã.
Ignorando a Constituição, que diz que a Espanha é indivisível, o Parlamento catalão aprovou o plebiscito em uma lei de 6 de setembro.
Segundo a lei aprovada pelo parlamento regional, o resultado é vinculante - ou seja, caso a maioria vote pelo sim, a independência supostamente terá de ser declarada pelo Parlamento dois dias depois de a comissão eleitoral catalã anunciar os resultados.
2) O que pensa o governo central?
Uma frase do premiê Mariano Rajoy resume o mal-estar de Madri, sede do governo central, com a situação: "Digo isto com calma e firmeza: não haverá plebiscito; ele não vai acontecer".
A pedido de Rajoy, a Corte Constitucional espanhola suspendeu a lei aprovada pela Catalunha. Desde então, o governo espanhol tentou aumentar seu controle sobre as finanças e políticas da região.
Em resposta, o presidente catalão, Carles Puigdemont, afirmou que "a Espanha suspendeu na prática o autogoverno da Catalunha e colocou em prática um estado de emergência".
Para as autoridades da Catalunha pró-independência, um alto índice de comparecimento às urnas é essencial para dar legitimidade ao pleito - e, por isso, o governo central em Madri tenta de todas as formas impedir a realização da consulta.
3) Qual será a validade do plebiscito?
Na prática, um plebiscito sendo ativamente suprimido pelo governo e considerado ilegal dificilmente será visto como livre ou justo.
Partidos leais à Espanha estão boicotando a votação deste domingo, então é possível que os votos pelo "não" estejam subrepresentados.
Madri está tentando tirar a legitimidade do evento - cartazes foram retirados pela polícia e autoridades envolvidas com o pleito foram alvo de multas pesadas. O site oficial da consulta foi bloqueado (ainda que possa ser acessado de fora da Espanha).
Ainda assim, será muito difícil para Madri ignorar o pleito dos separatistas caso os eleitores catalãs compareçam às urnas em peso.
4) Os catalães realmente querem ser independentes?
Só 2,2 milhões de eleitores (de um total de 5,4 milhões) compareceram à votação de 2014 - que, assim como o pleito deste domingo, foi considerado ilegal por Madri. Organizadores estimam que 80% dos votantes de três anos atrás defendiam a independência.
No último 11 de setembro, dia nacional da Catalunha, uma multidão tomou conta das ruas de Barcelona num protesto pró-separatismo.
No entanto, uma pesquisa de opinião encomendada pelo próprio governo catalão em julho sugeriu que 49% da população catalã se opõe à independência, contra 41% a favor.
A urgência do governo catalão em realizar o referendo pode ser explicada em parte pela percepção de que o apoio à independência pode estar em queda. Ao mesmo tempo, a oposição do governo central ao pleito reascendeu os ânimos por parte dos defensores do separatismo.
5) Quais os argumentos da Catalunha para defender o separatismo?
A demanda é antiga. A Catalunha tem sua própria língua, história e uma população equivalente à da Suíça (7,5 milhões de habitantes).
Ao mesmo tempo, trata-se de uma região vital do Estado espanhol, ao qual pertence desde o século 15, e - segundo defensores da independência - sujeita a campanhas repressivas periódicas para ficar mais "parecida" à Espanha.
6) Por que exatamente agora ocorre a campanha pró-independência?
O retorno da Espanha à democracia trouxe prosperidade, e Barcelona se tornou uma das cidades mais populares da União Europeia - famosa pela Olimpíada de 1992, pela arquitetura, pelo futebol e por sua vocação ao turismo.
Mas a crise espanhola de 2008 atingiu a Catalunha em cheio, elevando o desemprego na região para 19% (a taxa nacional é de 21%).
A região, que abriga 16% da população espanhola, responde por quase 20% do PIB do país - e existe entre os catalães a sensação de que o governo central não provê suficientemente a região para recompensá-la por isso.
Esse sentimento de injustiça estimulou a campanha pró-independência e, quando a Justiça espanhola restringiu os poderes catalães em 2010, o clamor por secessão aumentou.
7) Esse sentimento de injustiça tem embasamento na realidade?
De fato, parece que Madri recebe mais do que devolve - embora a complexidade das transferências orçamentárias dificulte o entendimento claro de o quanto mais os catalães contribuem à Espanha em impostos em relação ao que recebem de volta em serviços.
Dados de 2011 governo espanhol indicam que a região pagou 8,5 bilhões de euros (R$ 31,8 bi) a mais do que recebeu. Segundo o governo catalão, essa cifra é na verdade 11 bilhões de euros (R$ 41 bi).
O investimento estatal na Catalunha caiu, mas muitos argumentam que esse modelo de alocação de recursos é comum em países que, como a Espanha, têm grandes disparidades regionais de renda e desenvolvimento.
8) Há espaço para um meio-termo?
Há pressão para isso. A Confederação Espanhola de Organizações Comerciais (CEOE, na sigla em espanhol) pediu em comunicado "uma atitude construtiva para evitar que (o referendo) afete a coexistência social e a prosperidade econômica".
O presidente catalão Puigdemont propôs suspender o referendo deste domingo se ele puder ser substituído por uma votação que seja reconhecida como legítima. "(Madri) deve definir como e quando os catalães poderão votar, para que sentemos e fechemos um acordo a respeito", afirmou.
O governo central, que não dá nenhum sinal de que pretenda contemplar um referendo legal, pode em contrapartida oferecer mais dinheiro e autonomia aos catalães, segundo disse o ministro da Economia espanhol, Luis de Guindos, ao jornal Financial Times.
"Se os planos de independência forem abandonados, podemos conversar", afirmou ele.