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Desenvolvimento humano deve cair pela primeira vez em 30 anos

Mai 21, 2020

Por Alejandra Agudo - El País                                                      

 

A cada ano o mundo progredia um pouco, com mais crianças nas escolas, mais expectativa de vida e melhores indicadores de saúde. Talvez não seja o suficiente nem tão rápido quanto se desejava, mas havia avanços. Até 2020. Este ano, pela primeira vez desde 1990, retrocederá. Esta é a advertência lançada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que elabora há três décadas o chamado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e que, para a edição de 2020, não apresenta dados encorajadores.

“O mundo viu muitas crises em 30 anos, incluindo a financeira de 2008. Todas atingiram fortemente o desenvolvimento humano, mas, em geral, em nível global se conseguiu avançar em cada ano”, explicou Achim Steiner, administrador do PNUD, em uma conversa virtual com jornalistas. Mas a que o planeta vive agora por causa do vírus SARS-CoV-2 “é diferente”, aponta Heriberto Tapia, pesquisador da organização, em uma conversa telefônica posterior. A crise é diferente porque a pandemia de covid-19 impacta em cheio e de forma simultânea todos os elementos da existência com os quais o desenvolvimento humano é medido: a saúde, a educação e a renda das pessoas. Isso não apenas fará com que o mundo retroceda, mas também o fará de uma forma “significativa, equivalente às variações de seis anos de progresso”, especifica.

Os três valores experimentaram retrocessos desde o início da crise, tanto nos países pobres quanto nos ricos de todas as regiões. Mas as previsões do PNUD indicam que a queda será desigual. Os menos adiantados, que têm menos recursos para gerenciar os efeitos sociais e econômicos, sofrerão a pior parte. “Existem pessoas que podem trabalhar e estudar em casa. Mas outra população não tem essas oportunidades. A metade do planeta não tem acesso à Internet. Existem três bilhões de pessoas que nem sequer podem lavar as mãos em casa”, reflete Tapia.

Os efeitos na saúde são evidentes. Até o momento, mais de cinco milhões de pessoas foram infectadas pelo novo coronavírus e mais de 325.000 morreram por causa dele. Além disso, as medidas de confinamento e o desvio de recursos da saúde para o combate à covid-19 afetarão de forma negativa. “Este ano estima-se que haverá entre 250.000 e 1,2 milhão de mortes infantis adicionais. Com o número menor, neste ano de 2020 a expectativa de vida não aumentará como vinha crescendo anualmente, mas será mantida”, detalha Tapia.A educação não escapa do desastre. O fechamento das escolas afetou entre 1,4 e 1,5 bilhão de crianças; mas enquanto existem aquelas que podem continuar sua formação por meio da Internet, outras não têm essa opção. De acordo com os cálculos do PNUD, 60% das crianças em idade de cursar o ensino fundamental não estão recebendo nenhuma educação. “No fim do ano, a taxa efetiva de crianças fora da escola será a que o mundo tinha nos anos oitenta”, observa Tapia.

Os mais pobres pagarão. O relatório apresentado nesta quarta-feira indica que 86% das crianças do ensino fundamental estão atualmente fora da escola em países com baixo desenvolvimento humano, contra 20% nos países que estão na parte alta da lista. Se não houver uma melhora no que resta de 2020, esse indicador será mais um obstáculo ao progresso do mundo medido pelo IDH.

A renda das famílias e sua qualidade de vida são as outras variáveis com as quais o desenvolvimento humano é calculado. E tampouco registram dados para se ter esperança. A recessão econômica ―o Banco Mundial calcula uma queda de quase 5% do PIB mundial em 2020― e a perda de empregos é um golpe no progresso e na luta contra a pobreza extrema, na qual 60 milhões de pessoas poderiam cair, segundo a entidade, além dos 736 milhões que já vivem com menos de 1,90 dólar (cerca de 10,82 reais) por dia.

“E estamos em maio; esta é a nossa avaliação, relativamente conservadora, de como poderíamos estar no final do ano”, diz Tapia. Mas isso não é inevitável. “Podemos deter o retrocesso, mas é necessária uma ação firme. É fundamental que as medidas corretas sejam tomadas”, diz o pesquisador do PNUD. “Com o tratamento adequado se poderá voltar ao normal rapidamente, embora exista o risco de que a senda positiva do progresso seja abandonada”, acrescenta.

A colaboração internacional é muito importante na opinião do especialista. “Os países em desenvolvimento não têm capacidade para implementar grandes pacotes de ajuda como os que estão sendo aprovados pelas nações mais ricas. E tampouco para se endividarem”, afirma Tapia. E precisarão de apoio. Até agora, diz, a maioria dos casos ocorreu em países desenvolvidos, mas nos últimos dias se observa “uma reviravolta” nesse sentido. “Um segundo semestre difícil nos espera”, avança. Embora, “por sorte”, os menos adiantados tenham sido rápidos em implementar políticas para deter o avanço do vírus, precisarão de ajuda para garantir a saúde e a educação de sua população”, explica.

Uma mensagem que o próprio secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, reiterou nesta quarta-feira, com o olhar voltado para a África, que concentra a maior parte dos países com baixo Índice de Desenvolvimento Humano. “A pandemia ameaça o progresso da África. Agravará as antigas desigualdades e aumentará a fome, a desnutrição e a vulnerabilidade às doenças”, disse em um comunicado. Por esse motivo pediu “solidariedade” com o continente, onde o novo coronavírus já ceifou quase 3.000 vidas até o momento e mais de 95.000 casos confirmados foram relatados. Menos do que se temia, mas poderiam aumentar rapidamente, alertou Guterres.

“Os países africanos também deveriam ter acesso rápido, equitativo e fácil a qualquer vacina e tratamento, que devem ser considerados bens públicos mundiais”, destacou Guterres em sua declaração. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento aponta para outros apoios em seu estudo. Assim, para a instituição, uma medida fundamental para que o retrocesso do mundo não seja o que é mostrado pelos números é fechar o fosso digital.

O PNUD calcula que fechar o fosso digital nos países de renda baixa e média custaria apenas 1% dos pacotes extraordinários de medidas fiscais ―oito trilhões de dólares― de apoio aprovados até agora em todo o mundo em resposta à covid-19. “Nós não lançamos recomendações fixas para cada país, mas esperamos que haja ênfase na modernização do mundo”, observa Tapia. “É possível sair dessa crise ajudando as pessoas agora e tornando-as mais bem preparadas para o futuro”. Isso será necessário porque as tensões que existiam antes que tudo fosse suspenso pela pandemia, os protestos contra a desigualdade e as mudanças climáticas, voltarão. “E talvez mais fortes.”

 

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