Em 6 de agosto de 1890, William Kemmler morreu eletrocutado na então nova máquina de matar das prisões norte-americanas: a cadeira elétrica. Meses antes, Kemmler recorreu aos tribunais, sem êxito, alegando que o método feria a Constituição dos Estados Unidos por se tratar de um castigo “cruel”.
Os proponentes da cadeira elétrica a defendiam como “uma forma mais humana” de execução e, a partir dos anos 1980, esse argumento serviu para defender a injeção química letal. Richard Glossip, preso no estado de Oklahoma, entrou com recurso na Suprema Corte dos EUA com a mesma denúncia de Kemmler – punição “cruel e incomum” – contra a injeção letal com um controverso medicamento, o Midazolam. Ele também foi derrotado: a data de sua execução está marcada para o próximo dia 16 setembro.
Para os opositores da pena de morte, a questão não está na maneira em que os condenados são executados. “Não há um modo digno de executar alguém, e a Suprema Corte tenta encontrá-lo”, diz Antonio Ginatta, diretor de programas nos EUA da organização Human Rights Watch (HRW). A Anistia Internacional também considera que a pena de morte é inaceitável em qualquer caso: “É a violação máxima dos direitos humanos”, declarou a ONG após a decisão da Corte, no fim de junho, sobre as execuções com Midazolam.
A luta nos tribunais contra determinados métodos de execução é mais uma via de oposição à pena de morte nos EUA. Às vezes, a única disponível, como para os presos com este tipo de condenação em alguns dos estados onde ela se aplica. Dezenove estados aboliram a pena de morte no país: o último a fazê-lo, em maio deste ano, foi o Nebraska. Em estados como Texas e Oklahoma, porém, o Judiciário ainda empunha a espada com força.
“A batalha contra a pena de morte nos Estados Unidos continua sendo estado por estado”, diz Ginatta. “Das 35 execuções realizadas em 2014, a grande maioria aconteceu em três estados: Texas, Missouri e Flórida.”
Segundo o Centro de Informações sobre a Pena de Morte (DPIC, sigla em inglês), desde que a Suprema Corte dos EUA confirmou as novas leis de pena capital em 1976, foram realizadas 1.413 execuções. O Texas foi responsável por 45% delas: 640 execuções. “Apenas sete estados executaram presos no ano passado”, indica Robert Dunham, diretor executivo do Centro.
Richard Glossip – que foi condenado por encomendar um assassinato e defende sua inocência – e outros quatro presos de Oklahoma recorreram à Suprema Corte dos EUA para tentar que não lhes fosse aplicada a pena capital mediante uma injeção química letal com Midazolam. Em abril de 2014, Clauton Lockett foi executado em Oklahoma com esta substância, que intervém na primeira fase da injeção, a anestésica, para supostamente evitar uma morte dolorosa. Lockett agonizou durante 43 minutos antes de morrer de uma parada cardíaca. Outras mortes com o Midazolam puseram em xeque sua eficácia, e os presos denunciaram o método.
O Midazolam é um ansiolítico e relaxante utilizado para execuções desde que as penitenciárias norte-americanas começaram a sofrer com a falta do pentotal de sódio. O Midazolam não é um anestésico – e como tal não está reconhecido pela agência de Administração de Medicamentos e Alimentos dos EUA (FDA) – como é o pentotal de sódio, mas as cadeias não têm mais acesso a essa substância.
“Os fabricantes norte-americanos deixaram de produzir estas substâncias ou se recusaram a vendê-las a prisões para serem usadas em execuções. E a Europa considera que a pena de morte é uma violação aos direitos humanos, motivo pelo qual proíbe a exportação de medicamentos para serem usados em execuções”, diz Dunham.
Um dos advogados de Richard Glossip e de outros prisioneiros com a causa na Suprema Corte, Dale Baich, afirma que “o Midazolam não é capaz de manter a anestesia durante o processo de execução”. Apesar das avaliações médicas que permitiram levantar a causa, no fim de junho a Suprema Corte considerou que não ficou provado que a execução com este produto “carrega consigo um risco importante de dor severa” para o condenado.
Segundo Francisco Zaragozá, membro do Comitê Consultivo Farmacêutico Europeu, “não se pode assegurar que haja o efeito suficiente porque o Midazolam não é anestésico”.
Richard Glossip será a primeira pessoa a ser executada em Oklahoma com Midazolam desde a decisão da Suprema Corte, contra a qual os condenados voltaram a recorrer no fim de julho para denunciar a inconstitucionalidade não do uso da droga, mas da pena de morte em si.
Para a Human Rights Watch, a avaliação da Suprema Corte mantém uma lógica na qual o tribunal “tenta buscar uma forma digna de executar, porém ela não existe. A injeção química letal não é uma maneira digna nem humana de matar. Este método reflete as pessoas que apoiam a pena de morte nos Estados Unidos, porém de uma forma que não pareça bárbara”, diz Antonio Ginatta.
Os 19 presos executados nos EUA em 2015 até agora morreram mediante a injeção letal, segundo o DPIC. O último, Daniel López, foi executado no dia 12 de agosto no Texas.
A HRW e a Anistia Internacional condenam a injeção química letal como uma tentativa de esconder uma punição irreversível e cruel sob uma aparência de “morte clínica”. Um dos componentes da injeção é um paralisante, “para que não se ouça como morre a pessoa, para que pareça uma forma de matar de maneira clínica, porém não o é”, insiste Ginatta. A Anistia Internacional considera que os médicos violam seu juramento ético ao participar de execuções.
Para Ginatta, que afirma que a cada ano chega pelo menos um caso de recurso contra a pena de morte à Suprema Corte dos EUA, a abolição é mais viável através da política, com decisões como a do Nebraska, do que por via judicial. “Em minha opinião a Suprema Corte neste momento não está pronta para uma mudança tão grande, para dizer que a pena de morte é inconstitucional”, acredita.
Segundo uma pesquisa do Pew Research Centre realizada em março desse ano nos EUA, a pena de morte conta com o menor apoio dos últimos 40 anos na sociedade norte-americana, apesar de ainda manter uma maioria a seu favor: 56%.
Se tudo correr de acordo com o previsto, Glossip morrerá com uma injeção química letal composta por Midazolam. Mesmo que a Justiça tenha validado esta fórmula, Oklahoma é um exemplo da importância da política à qual se refere o diretor da HRW. Quando o Midazolam foi colocado em xeque diante da Suprema Corte, o Estado aprovou em abril o uso de gás nitrogênio nas execuções para os casos em que não haja acesso à injeção química letal.
Tradução: Mari-Jô Zilveti
Matéria original publicada no site do jornal espanhol El Diario.