BRENDAN MCDERMID / REUTERS
Antes de George Floyd, antes de Breonna Taylor, antes de outras centenas de afro-americanos mortos a tiros pela polícia dos Estados Unidos, houve um adolescente de 17 anos chamado Trayvon Martin. Em fevereiro de 2012, um segurança chamado George Zimmerman o matou só porque suspeitava dele. No ano seguinte, o vigilante foi absolvido. Em meio à indignação nacional, três mulheres decidiram que era hora de organizar um movimento para denunciar esse tipo de impunidade dos crimes contra afro-americanos. Elas se chamavam Patrisse Cullors, Opal Tometi e Alicia Garza. A organização foi batizada de Black Lives Matter: as vidas negras importam.
Quando escreveu aquela mensagem, Garza (Oakland, Califórnia, 39 anos) era uma ativista que trabalhava com a National Domestic Workers Alliance, uma associação de defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas. Cresceu como Alicia Schwartz nos arredores de San Francisco, com uma mãe afro-americana e um padrasto judeu que tinha uma loja de antiguidades, segundo contou à revista The New Yorker em 2016. Era uma das poucas moradoras negras de Tiburón, um rico subúrbio do norte de San Francisco. Embora seus pais não estivessem envolvidos em política, ela diz que se tornou ativista com apenas 12 anos, quando se mobilizou para que houvesse anticoncepcionais em seu colégio. Estudou Antropologia e Sociologia na Universidade da Califórnia em San Diego. Casou-se em 2008 com Malachi Garza, um ativista trans.
Após os protestos de Ferguson, o Black Lives Matter se transformou num movimento nacional. Já há mais de 40 organizações locais coordenadas para levar as manifestações às ruas. Garza é hoje diretora de uma nova organização, a Black Futures Lab, que busca aumentar o poder político dos negros norte-americanos e desenvolve projetos como um censo da população negra no país.
“O Black Lives Matter é tão simples, mas ao mesmo tempo tão complexo...”, dizia Garza neste verão numa entrevista à National Geographic, quando os EUA estavam mergulhados numa onda de manifestações raciais de uma intensidade e uma extensão nunca vistas. “É uma afirmação muito direta de um problema, mas também uma solução. Aqui estamos, sete anos depois, e acredito que ficou claro que parte do desconforto com essa declaração é que ela te obriga a escolher de que lado está. Você não pode dizer que algumas vidas negras importam, ou que importam só um pouco, ou que importam às vezes. A frase te pergunta: você acha que as vidas dos negros importam? E, se você acha que sim, é esse o mundo em que vivemos? Se não, o que faremos para chegar lá?”
Anos depois daquela mensagem no Facebook ser transformada em hashtag multitudinária, Garza é uma das vozes mais conhecidas do ativismo pelos direitos civis nos EUA. Ela e outras cofundadoras do movimento foram eleitas entre as 100 mulheres do ano pela revista Time, e este mês Garza publicará um livro de reflexões intitulado The Purpose of Power: How to Build a Movement for the 21st Century (para que serve o poder: como construir um movimento do século 21). Sua conta do Twitter é um termômetro das reações da esquerda à disparatada presidência de Donald Trump, que incendiou a divisão racial nos EUA.
Como quase todos os líderes sociais do país, Garza se envolveu na campanha eleitoral e participa do grupo Supermajority, criado para fomentar o voto entre as mulheres. Ela utiliza seu megafone nas redes (250.000 seguidores no Instagram, 150.000 no Twitter) para apoiar a candidatura de Joe Biden, embora esclareça que vem do mundo do ativismo social e que a postura do candidato democrata sobre temas raciais lhe parece muito insuficiente. Assim afirmou no Twitter durante o debate presidencial: “A campanha de Biden nunca vencerá com uma mensagem de lei e ordem. Esta é uma grande oportunidade perdida de denunciar a violência supremacista branca.” No final do debate, porém, acrescentou: “Em qualquer caso, quando você votar em novembro, a pergunta-chave na cédula será: guerra civil, sim ou não?