NICK OZA
No armazém onde Bilda Parada trabalha há chiles poblanos vendidos por quilo e em espanhol. Bilda está há 12 de seus 37 anos nos Estados Unidos trabalhando no bairro latino de Columbia Heights, em Washington. Ela deixou El Salvador pelos mesmos motivos que a maioria dos seus compatriotas: violência e pobreza. Paga impostos, mas não pode votar. É uma dos quase 11 milhões de imigrantes irregulares nos EUA – sendo metade deles mexicanos, enquanto o segundo maior grupo de latino-americanos nessa estatística é o de salvadorenhos como ela (3%). Ruboriza ao contar, mas esse limbo em que vive há tantos anos se tornou um porto seguro, e repete como um mantra a única certeza que tem sobre seu futuro: “Nós, os latinos, é que tocamos este país em frente”.
“Não existe a política para os latinos. Há para os negros e para os chineses. Para nós, nada”, queixa-se o dominicano Kennedy Batista, de 25 anos. Ele já é cidadão norte-americano, mas está avaliando se irá ou não votar. Dos 62 milhões de hispânicos que vivem nos Estados Unidos, apenas metade tem direito a voto, e segundo estimativas do Centro Pew apenas 15 milhões comparecerão às urnas. O interesse pela política migratória foi diminuindo com os anos e se encontra em um ponto morto, mas o próprio centro de pesquisas demográficas mediu a aceitação de uma proposta como a de Biden entre a população: 75% dos norte-americanos reconhecem que os imigrantes irregulares poderiam ficar nos EUA se cumprirem as condições para obter a cidadania. Um paradoxo é que, na cidade política por excelência nos Estados Unidos, os bairros de imigrantes se sintam excluídos do incipiente debate imigratório. “Votar? Eu não acredito nessa mierda”, diz um amigo de Batista que se aproxima ao ouvir a conversa.
As imagens dos centros de detenção no sul dos EUA em 2018 mostravam centenas de crianças que tinham sido separadas de seus pais ao chegarem à fronteira, sendo a maioria centro-americanas. A política de “tolerância zero” de Trump permitiu que a polícia imigratória tratasse os adultos como criminosos para levá-los aos centros penitenciários, enquanto os menores eram encaminhados a lares de acolhida e centros de detenção. Cerca de 2.800 crianças foram separadas de suas famílias, e, dois anos depois, 545 continuam sem encontrá-las, apesar da política de Trump já ter sido suspensa, conforme denunciou a União Americana dos Direitos Civis (ACLU, na sigla em inglês). O caso serviu como argumento de ataque entre os candidatos à presidência e também para que Biden prometesse promover o reagrupamento dessas famílias no seu primeiro dia de mandato.
Biden chamou Trump de “imoral” e “criminoso” por deixar menores enjaulados nos centros de detenção, enquanto o presidente republicano se defendia com o histórico da Administração da Obama: “Eles as fizeram. Nós mudamos a política migratória e eles construíram as jaulas. Nós não construímos as jaulas”. Durante o Governo de Barack Obama, cerca de três milhões de pessoas foram deportadas dos Estados Unidos, e centros de detenção foram construídos perto da fronteira para abrigar menores centro-americanos que chegavam desacompanhados. A reforma migratória de Obama nunca se materializou, mas abriu uma pequena fresta com o programa de Ação Diferida para os Chegados na Infância (DACA, na sigla em inglês), para os jovens indocumentados que chegaram com seus pais. Uma iniciativa que já beneficiou 700.000 jovens, mas que Trump ameaçou eliminar.
“O vice-presidente Biden não é Obama”, defende Nathalie Rayes, presidenta do Latino Victory Fund, organização dedicada a promover a presença de latinos na política. “Biden sabe que a comunidade latina é importante para este país e que sem imigrantes os Estados Unidos não podem funcionar, também sabe que não podemos continuar separando as famílias”, acrescenta. Para Rayes, a possibilidade de que uma reforma migratória supere todos os obstáculos no Congresso é cada vez mais real. “Este tema vai além dos latinos, é um assunto que envolve a todos.