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A luta de brasileiros contra o buluyng recorde em escolas do Japão

Fev 02, 2021

Por BBC Brasil                                                                                                   

 

No mês passado, o brasileiro Sandro Kimura, de 47 anos, foi surpreendido pela notícia de que a filha, de 16 anos, havia sofrido uma ameaça de morte na escola. O caso aconteceu na província de Nagano, região central do Japão.

"Espere só que nós dois vamos matar você e arrancar o seu cérebro", dizia a mensagem publicada no stories do Instagram de um dos meninos da classe. Atrás da mensagem principal, frases xenofóbicas deixavam claro para quem era a ameaça: "volte ao seu país", "morra".

Sandro e sua mulher, Jerusa, de 45 anos, mal podiam imaginar que os problemas com a escola estavam apenas começando. "Foi muito grave, conversamos com a nossa filha e decidimos resolver tudo na escola. Eu pensei que os dois meninos envolvidos seriam no mínimo expulsos", contou.

Mas não foi o que aconteceu. Um dia depois da ameaça, o brasileiro foi na escola e se assustou com a resposta que recebeu. "Queriam colocar a minha filha no castigo por ter dito 'kimoi' (nojento) para os meninos. O garoto que ameaçou de morte recebeu a mesma punição que ela."

Dias depois, os meninos voltaram para a sala de aula como se nada tivesse acontecido. "Eu liguei para a escola furioso. Já tinha alertado para que não deixassem esses meninos perto da minha filha e eles voltaram. Eu disse que iria na escola no dia seguinte e se os garotos estivessem lá, iria tirá-los à força".

O brasileiro se acalmou e foi atrás de ajuda. Chegou a contatar órgãos públicos, prefeitura e Secretaria de Educação, sem obter resultados. Ele conta que também tentou uma denúncia na polícia, mas não foi possível registrar a ocorrência.

"Os policiais disseram que não poderiam fazer nada, pois a ameaça não foi enviada diretamente e não tinha o nome dela. Todos sabiam que era para a minha filha e o colega confessou ao professor, mas não foi suficiente. Se gravássemos uma confissão, também não valeria como prova, pois ele poderia alegar que foi coagido", lamentou.

De mãos atadas, o brasileiro acabou levando o caso para as redes sociais, com a publicação de dois vídeos contando o que havia ocorrido com a filha. As publicações repercutiram e outros brasileiros compartilharam histórias parecidas de problemas com os filhos nas escolas japonesas ou de experiências pessoais como vítimas de bullying no Japão.

Embora não haja dados oficiais, especialistas que atuam em entidades destinadas ao apoio dos estudantes acreditam que o problema é comum para a maioria das crianças com raízes estrangeiras no Japão, e o fato de serem diferentes dos japoneses os torna alvos fáceis nas salas de aula.

"Nas escolas do Japão, é muito comum que as crianças que são diferentes do grupo se tornem vítimas. O fato de ter um rosto, cor de pele, nome diferentes dos japoneses ou simplesmente ter pais estrangeiros é suficiente para que a criança seja excluída do grupo, ridicularizada", explica Iki Tanaka, responsável pelo YSC Global School, gerenciada pela organização Youth Support Center, com sede em Tóquio.

Tanaka é responsável por prestar apoio a crianças e adolescentes estrangeiros com dificuldades de adaptação e já atendeu mais de 1000 jovens de 40 países em mais de uma década. "Especialmente as crianças com raízes estrangeiras que estudam ou já estudaram em escolas japonesas foram vítimas de bullying em algum momento. É difícil encontrar uma criança que nunca tenha sofrido", revela.

Reações extremas
O bullying é considerado um problema social grave no Japão, responsável pelo suicídio de menores de idade todos os anos. Em 2019, pelo segundo ano consecutivo, mais de 300 crianças e jovens tiraram a própria vida, segundo os dados do Ministério da Educação (MEXT).

O governo japonês também mantém um levantamento anual da ocorrência de bullying nas escolas. De acordo com os dados divulgados em 2020, foram 612 mil casos reportados por 30 mil escolas no ano anterior, um dado que superou todas as estatísticas.

Apesar da gravidade do problema, é raro que as escolas tomem medidas mais duras para combatê-lo. O plano preventivo envolve ações como a distribuição de enquetes anônimas para incentivar os alunos a reportarem os casos ou ainda a notificação dos órgãos governamentais.

Para muitos especialistas, o país está longe de resolver a questão. A falta de medidas enérgicas faz com que a situação evolua para episódios mais graves, causando consequências psicológicas que podem afetar a vida da vítima por muitos anos.

"O bullying foi reconhecido como um problema social no Japão a partir da metade da década de 1980, devido ao interesse público pelas reportagens de casos de suicídio em escolas. Mais de três décadas depois, o problema persiste, pois os planos preventivos não mostram resultados", afirma Asao Naito, sociólogo e professor da Universidade Meiji.

Autor de livros sobre o tema, Naito é um dos principais pesquisadores sobre casos de bullying e acredita que a escola japonesa é um ambiente sem leis, onde crimes ocorrem e nada acontece com os agressores.

"Crimes como violência, ameaças e extorsões se confundem com o bullying. A polícia deveria prender ou orientar os acusados, contatar as instituições infantis se o responsável não tiver maioridade penal. Os agressores deviam ser afastados para proteger as vítimas, as famílias, condenadas a pagar indenizações e o os professores que não deram atenção também deviam ser punidos", defende.

É a passividade da escola que faz com que muitos estrangeiros contemplem tomar atitudes extremas, assim como Sandro, que chegou a cogitar entrar na sala de aula da filha para retirar os garotos à força.

Mãe de dois meninos, de 3 e 9 anos, a brasileira Sayuri Sassaki, de 24 anos, vive na Província de Aichi e conta que cresceu no Japão, sofreu bullying e vivia trocando de escola. "Aprendi a resolver sozinha, brigando e devolvendo na mesma moeda. Aos meus filhos, deixei claro que não admitiria que agredissem ninguém, assim como não admito que alguém os maltratem".

Mesmo assim, acabou enfrentando uma situação complicada com o menino mais velho que, há cerca de três anos, quando estava na primeira série do ensino primário, passou a apanhar de um colega.

Sem conseguir resolver a situação com a escola, Sayuri conta que chegou no limite ao ver o sofrimento do filho se prolongar.

"O menino já tinha batido mais de uma vez no meu filho quando eu o vi em uma gincana. Como não estava resolvendo reclamar com os professores, eu cheguei no garoto para conversar e ele confessou. Eu disse que se ele batesse no meu filho de novo eu bateria nos pais dele para que o educassem melhor. Ele saiu desesperado, nunca mais tocou no meu filho", relembra.

Sistema educacional
Para muitos estrangeiros que cresceram no Japão, enfrentar o sistema educacional repleto de regras rigorosas, bullying e pressão é um grande desafio. Quem passa por dificuldades de socialização ou com o idioma japonês pode acabar tendo que enfrentar questões que se refletem na vida adulta.

Ayumi Nagata, de 27 anos, é tradutora de um serviço de assistência social em Nagoya, capital da província de Aichi. Ela faz visitas às casas de famílias brasileiras cujas crianças estão fora da escola por algum motivo e diz que tem se deparado com casos de abuso sexual, problemas psiquiátricos e traumas. "O bullying está presente na maioria deles", revela.

O que motivou Ayumi a trabalhar com assistência infantil foi sua experiência pessoal. A brasileira conta que foi vítima de inúmeros episódios de bullying na infância e desenvolveu bloqueios com o idioma japonês, apesar de compreendê-lo bem, por duvidar de sua própria capacidade.

"Eu era uma estrangeira com déficit de atenção e gordinha, que foi colocada na escola japonesa desde pequena. Eu ficava no fundo da sala sozinha, sempre fui tratada diferente dos outros e era chamada de 'butajiru'", um trocadilho com as palavras "buta" (porco) e "burajiru" (Brasil).

Ayumi acredita que a padronização excessiva na escola seja a causa das desavenças. "A partir da escola eu comecei a entender como é a cultura dos japoneses. Não é levado em conta o sentimento de ninguém, ninguém é tratado realmente como um ser humano deveria ser, com seu sentimento valorizado. Aqueles que agem diferente do grupo são considerados peças defeituosas", opina.

Asao Naito, que pesquisa o bullying há décadas, acredita que o sistema escolar no Japão é totalitário. Segundo ele, não há espaço para individualidades e, de modo geral, a sociedade japonesa está tão acostumada com o sistema que o considera natural.

"A essência do bullying no Japão está no fato de que as crianças são vistas pelo grupo, e não individualmente. Há uma visão de que o grupo deve agir de forma única, o aluno pertence à escola e deve se comportar conforme o esperado do grupo".

Como não há uma educação que visa o respeito às diferenças, o resultado é a condenação daqueles que são naturalmente diferentes dos outros, como é o caso dos estrangeiros.

"Se uma aluna tem cabelo comprido, está de saia curta ou se usa meias coloridas, os professores imediatamente sentem que o comportamento está transgredindo o esperado de uma escola. Assim os alunos são mandados a ficar de pé, o comprimento das saias e cabelos são verificados. A individualidade não existe, o que importa é apenas garantir que cada aluno se encaixe nos padrões estabelecidos", explica Naito.

O sistema tão comum aos japoneses surpreende os estrangeiros, e a dificuldade de se encaixar nos padrões é considerada por especialistas a fonte da maioria dos conflitos.

"Quando visto de fora, é fácil perceber que há algo de errado com esse modelo de educação. Não é difícil que este sistema cause estranhezas ou seja mesmo interpretado como cruel por quem não está emergido na sociedade japonesa", conclui Naito.

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