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Por que a viagem do papa ao Iraque será um fato histórico

Mar 04, 2021

Por Edison Veiga, na BBC Brasil News                                                                                                                             

 

Nesta sexta-feira (05/03), o papa Francisco inicia a 33ª viagem internacional de seu pontificado. No Iraque ele deve ficar até o dia 8, cumprindo uma agenda que prevê encontros com autoridades e religiosos — tanto cristãos quanto muçulmanos. Será uma jornada cheia de simbolismos.

Francisco escolheu o lema "sois todos irmãos", extraído do Evangelho de Mateus, para a viagem, com a qual pretende enfatizar a necessidade de paz, independentemente da crença religiosa.

"Vou como peregrino de paz mendigando fraternidade, animado pelo desejo de rezarmos juntos e caminharmos juntos, incluindo os irmãos e irmãs doutras tradições religiosas, sob o signo do pai Abraão que reúne numa única família muçulmanos, judeus e cristãos", disse o papa em mensagem divulgada pelo Vaticano.

O contexto geopolítico do Oriente Médio, a pandemia que assola o mundo desde o início do ano passado e o próprio ineditismo de uma visita papal ao Iraque contribuem para tornar este episódio um fato histórico.

"Nenhuma viagem papal é despretensiosa. Ela é sempre carregada de intenções e objetivos", afirma à BBC News Brasil o historiador, filósofo e teólogo Gerson Leite de Moraes, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

"Em um primeiro momento, se pensa na presença do líder máximo dando suporte aos cristãos que estão ali — uma igreja pobre, perseguida e minoritária em um ambiente dominado pelo pensamento muçulmano."

Para Moraes, essa situação "vai de encontro ao ministério papal de Francisco", de origem latino-americana, "muito vinculado às causas de grupos minoritários".

"Ele é alguém que reflete, apesar de não ter nascido teologicamente vinculado a ela, a Teologia da Libertação, ou seja, esses valores de opção pelos pobres, pelos perseguidos. Francisco sabe o que é lidar com a igreja dos pobres, dos necessitados, das pessoas perseguidas. Isto é simbólico. Ele vai ao encontro das pessoas que têm necessidades em um momento muito crítico da humanidade", ressalta.

"E há também o aspecto político, tais coisas não estão desvinculadas", complementa. "Quando ele vai, como sacerdote, cuidar do povo cristão perseguido que é pobre e passa dificuldades no Iraque, ao mesmo tempo ele está levantando uma bandeira branca, estabelecendo pactos para que a relação entre muçulmanos e cristãos seja fraterna, de respeito."

Conforme acredita o teólogo, a relação entre os fiéis dessas duas religiões acaba refletindo a postura de seus líderes, "que podem pacificar conflitos ou colocar mais gasolina na fogueira".

"Ações papais são muito bem pensadas, não são simplesmente ações do pastor com seu rebanho. Há também um elemento político muito forte, uma teologia política por trás dessas ações do papa."

Destino inédito
Não é tarefa das mais fáceis encontrar nação no mapa que nunca tenha sido visitada por um sumo pontífice do catolicismo. Paulo 6º (1897-1978) foi o primeiro papa a andar de avião — e inaugurou as chamadas viagens papais da era moderna.]

No total, ele pisou em 19 países diferentes. Mas foi João Paulo 2º (1920-2005) que fez desses périplos um evento recorrente.

Ao longo de seu longo pontificado, ele visitou 132 países de todos os continentes habitáveis, feito que até hoje não foi superado. Para se ter uma ideia de comparação, o Iraque será o 50º destino de Francisco.

O Iraque, contudo, nunca foi pisado por nenhum papa.

"Isso ocorreu por vários motivos, mas o principal foi a segurança mesmo", comenta o vaticanista Filipe Domingues, doutor pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

"João Paulo 2º chegou a cancelar de última hora [em 1999] e dizem que ele até chorou quando soube que não poderia ir."

"Por inúmeras razões geopolíticas, não é um lugar fácil para viajar. E os papas sempre souberam disso. Francisco chegou a adiar duas vezes a viagem [por conta da pandemia de covid-19]. Agora que confirmou ele diz que vai de qualquer jeito porque não quer 'decepcionar' o povo iraquiano", completa Domingues.

"Os cristãos do Iraque já exprimiram a insatisfação por serem pouco lembrados por Roma. A desistência de João Paulo 2º, em 1999, acabou colocando o dedo nessa ferida", diz a vaticanista Mirticeli Medeiros, pesquisadora de história do catolicismo na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

"Francisco quer se reconciliar com seus fiéis, dar uma palavra de conforto, dizer que está com eles, que a instituição está com eles. Tanto que disse, em uma entrevista, que 'não quer morrer com esse remorso' de não visitá-los. Ele é idoso. Com medo do que pode acontecer com ele daqui pra frente, preferiu não desistir dessa peregrinação. Nesse contexto, a visita à Igreja de Al-Tahira, em Mosul, será extremamente significativa, haja vista que ela foi completamente destruída pelo Estado Islâmico em 2015."

Importância religiosa
Medeiros defende que "não faz sentido que, até hoje, o representante dos cristãos, assim reconhecido dentro da comunidade internacional, não tenha visitado ainda" o Iraque, dada a importância histórica da região.

"O Iraque sempre foi importante para a tradição cristã, segundo a qual o profeta Abraão, raiz das três grandes religiões monoteístas, viveu naquela região. É uma área com importância histórica", afirma Domingues.

Os cristãos do Iraque são considerados entre aqueles com tradição mais longeva — a religião está presente lá desde o século 1º. Inúmeras paisagens e cidades descritas na Bíblia se referem a regiões do atual Iraque. Entretanto, eles têm sido perseguidos nas últimas décadas.

Dados levantados pela fundação pontifícia ACN — Ajuda à Igreja que Sofre, que auxilia projetos de grupos que sofrem perseguição religiosa, indicam que a população cristã do país caiu de 1,4 milhão, em 2003, para menos de 250 mil atualmente.

A queda coincide com o fim da ditadura de Saddam Hussein (1937-2006) e a ascensão do grupo jihadista Estado Islâmico.

"A presença dos cristãos lá quase desapareceu", avalia Domingues.

"No governo de Hussein existia uma lógica de estabilidade, comum nessas ditaduras do Oriente Médio, com acordos com as minorias e proteção em troca de apoio político. Com a queda do regime, a coisa piorou [para os cristãos]. Muitos saíram de lá, muitos morreram. Se continuar assim, logo não haverá mais cristãos lá."

"Há muitos anos os cristãos no Iraque sofrem com a discriminação e com ataques terroristas. Um dos episódios mais tristes foi quando, na noite de 6 de agosto de 2014, mais de 100 mil cristãos precisaram abandonar tudo por conta da invasão do grupo Estado Islâmico, que trouxe o que chamamos de hiperextremismo, com crueldades ainda não vistas até aquele momento", pontua Valter Callegari, diretor do escritório brasileiro da ACN.

A reconstrução das estruturas cristãs iraquianas tornou-se a maior campanha já realizada pela fundação ACN.

"Hoje vemos os cristãos retornando para suas terras, mas eles ainda têm medo, pois ainda sofrem perseguição e restrições. A primeira viagem de um papa ao país, para visitar uma minoria cristã, mostra o carinho do Papa Francisco pelas minorias, por aqueles que vivem o cristianismo de forma heroica", prossegue Callegari.

"Um segundo ponto será o encontro com o grande aiatolá xiita Ali Al Sistani. Isso será importante não só nacionalmente, mas também mundialmente. O Papa Francisco quer levar a mensagem da [encíclica] Fratelli Tutti a todos, e este será um passo muito importante."

Esse encontro com o líder muçulmano deve ser um acontecimento histórico. Em 2014, Al Sistani chegou a pedir para que o povo iraquiano "pegasse em armas" para frear o avanço dos extremistas sunitas no país.

"O mundo muçulmano é um mosaico de tradições e ramos. Não faz sentido, então, conversar só com uma ou duas dessas tradições", acrescenta Medeiros.

"Francisco irá à 'cidade santa' do islamismo xiita mundial: Najaf. Isso não é pouca coisa. É o segundo maior grupo de crentes do islã, considerado mais tradicionalista. No Egito, por exemplo, [em 2017] ele se encontrou com a autoridade máxima dos sunitas, Ahmed el-Tayeb."

Xiitas são 64% da população iraquiana hoje; sunitas, 32%. É a primeira vez que um papa visita um país de maioria xiita.

Os católicos, evidentemente, também devem ser contemplados pela visita papal. Em sua agenda, Francisco deve se encontrar com o arcebispo de Erbil, Bashar Warda, proeminente voz da minoria cristã iraquiana.

De acordo com levantamento realizado pelo filósofo e teólogo Fernando Altemeyer Junior, chefe do departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), são 17 circunscrições eclesiásticas católicas no país, com dez sedes metropolitanas e quatro dioceses.

Há um patriarcado, de rito caldeu, e dois exarcados patriarcais, de ritos greco-melquita e siríaco. O único cardeal iraquiano vivo, Louis Raphaël I Sako, é o patriarca do rito caldeu. Foi feito cardeal por Francisco em 2018 e é eleitor em um eventual conclave. São 114 paróquias no Iraque, com 174 sacerdotes e 286 religiosas.

Em um fato inédito do catolicismo, o papa deve celebrar missa seguindo o rito caldeu — demonstrando assim respeito e reconhecimento histórico. Isso significa que o idioma utilizado será uma mescla do aramaico com o árabe.

"Francisco vai costurar uma sociedade rasgada e dolorida. É uma missão de paz e compaixão. Não vai como panaceia curar todos os males, mas dizer que o papa está perto e os têm no coração", diz Altemeyer. "Seu gesto é poderoso e simbólico."

Para o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, a vista de Francisco ao Iraque é "o sinal mais evidente de que os cristãos não deveriam guardar rancor ou ressentimento pelas chacinas sofridas nas mãos dos muçulmanos".

"Conflitos históricos se perpetuam porque os dois lados não querem ser os últimos perdedores e voltam ao conflito procurando vingança. Francisco dá um sinal de que isso não deve ser assim", comenta ele.

"Isso pode facilitar muito o diálogo e o encontro entre cristãos e muçulmanos. Contudo, é necessário reconhecer, o esforço inter-religioso, em escala global, é muito mais dos católicos do que das demais religiões — provavelmente por serem uma Igreja universal e centralizada. Assim, os frutos desse diálogo dependem muito da resposta que virá do lado iraquiano."

Geopolítica
"De acordo com especialistas em Oriente Médio, e o papa está ciente disso, o Iraque é um local estratégico para se alcançar a paz no mundo árabe", diz Medeiros. Desta forma, uma visita histórica tem seu peso estratégico.

A situação geopolítica do Iraque está longe de ser resolvida. Desde a invasão norte-americana ao país, em 2003, para derrubar o regime de Hussein, houve uma sucessão de conflitos armados. A ascensão do grupo jihadista Estados Islâmico agravou a instabilidade.

"Os cristãos que não foram mortos diretamente nesses conflitos fugiram de lá, porque se viram como minoria exposta", pontua Domingues.

Para o historiador, filósofo e teólogo Gerson Leite de Moraes, com esta viagem o papa "inaugura um novo momento na tentativa de ampliar o debate ecumênico e de selar acordos de paz".

"Essas visitas representam muito do ponto de vista simbólico", argumenta.

"Lógico que o papa também é um chefe de Estado, mas do ponto de vista da crença, da fé, ele simbolicamente está acenando, levantando uma bandeira branca para poder estabelecer diálogos com outras religiosidades. Isso é muito importante."

"[A viagem é] uma oportunidade para que o papa faça seu trabalho e isso tem, de fato, um impacto bastante significativo na comunidade mundial", avalia ele.

Há também um impacto na geopolítica da fé, ou seja, na maneira como o pontificado de Francisco procura promover os seus valores. Moraes ressalta que o diálogo inter-religioso "sempre esteve no horizonte" do atual papa, porque "ele é oriundo do ambiente latino-americano" e tem "entre seus pressupostos, a opção clara pelos pobres e necessitados".

"No caso da América Latina, observa-se o crescimento de grupos evangélicos pentecostais, geralmente de orientação fundamentalista, o que é bastante complicado porque é uma massa que pode ser usada politicamente para fins autoritários, já que são literalistas e flertam com o fanatismo", contextualiza.

"Assim, não é coincidência que a temática do ecumenismo esteja em alta no Vaticano, como política de evangelização. Francisco faz com que esse discurso ecumênico ecoe em outros lugares do planeta. A escolha em ir para Iraque está interligada a isso, reforça essa postura."

Pandemia
A pandemia de covid-19 fez com que 2020 fosse o primeiro ano sem nenhuma viagem internacional de um papa desde 1978 — em janeiro de 1979, João Paulo 2º visitou República Dominicana, México e Bahamas e passou a fazer dessas missões apostólicas uma rotina.

Obviamente — e as estatísticas publicadas diariamente ilustram isto — a pandemia não está perto de acabar. Mas o estafe do Vaticano considerou que já há condições minimamente seguras para que a viagem aconteça.

Francisco e toda a comitiva — inclusive os jornalistas que devem acompanhar a missão — já tomaram as duas doses da vacina e há um cuidado para que todos os encontros pessoais sejam realizados apenas com aqueles que também estejam imunizados.

"Francisco falou que, se fosse preciso, ele iria com uma delegação pequena", comenta Domingues. "Havia um receio de que a viagem fosse cancelada novamente por causa da pandemia."

Com as vacinas, "pelo menos dentro da delegação há uma certa imunidade".

"Evidentemente que há um risco das pessoas. O papa sabe que ele causa aglomeração", salienta o vaticanista.

"Tudo vai ser feito de uma forma para, na teoria, evitar isso. Na prática, vai ser difícil. Mas não vai ter papamóvel, essas coisas. Os eventos devem ser bem restritos, em lugares controlados. Pelo menos é o que se espera."

O simbolismo dessa viagem também reside no fato de um esforço para realizá-la apesar dos riscos sanitários.

"Uma viagem assim no meio da pandemia é uma coisa difícil de fazer. No futuro, quando historiadores olharem para trás, irão dizer: 'no meio da pandemia, o papa foi ao Iraque'. Isso mostra o que é importante para ele visitar o país. O papa viaja no meio da pandemia e escolhe visitar os cristãos perseguidos: isso é muito forte", afirma Domingues.

"Francisco não é um papa só de palavras, mas também de gestos. Quer colocar em prática aquilo que ele defende. Então, isso acontecer no meio da pandemia torna mais interessante, porque é justamente o período que ele diz que todos estamos no mesmo barco", reflete o vaticanista.

"Como vamos sair da pandemia? Podemos sair melhores ou piores. Francisco chama a atenção do mundo para uma situação delicada [a paz no Oriente Médio] e, com isso, diz que temos a chance de sair melhores, mais unidos."

Moraes acredita que a pandemia contribui para reforçar a mensagem do papa ao visitar um local com cristãos perseguidos.

"Ele está escolhendo uma região de grupos minoritários. Com isso, diz: 'meu ministério é esse, junto aos pobres, com os necessitados, as pessoas que passam por problemas'", explica.

"Ao mesmo tempo, escolhe uma região nevrálgica do planeta, uma região aparentemente fechada para ele. E vai ao encontro dos cristãos que lá estão. Não só para falar aos cristãos, mas também para falar aos muçulmanos."

"[O papa diz] que nós, agora num período pós-pandemia, precisamos nos unir, unir esforços", complementa o teólogo.

"Para que a humanidade seja diferente, saia melhor dessa situação pandêmica que acometeu o mundo todo."

Para o especialista, com a viagem Francisco pretende mostrar ao planeta que, no pós-pandemia, será possível uma "coexistência fraterna entre os povos e as religiões".

"O fato de o Papa fazer esta viagem apesar das dificuldades e limitações significa o quão importante os cristãos iraquianos são para ele", acrescenta Callegari.

"Ele irá confortar o povo presencialmente e escolheu justamente onde os cristãos são uma minoria para sua primeira viagem após o início da pandemia. É como se no meio de uma tempestade — aqui representada pela pandemia — alguém saísse no meio da noite para visitar um amigo que mora sozinho e distante em uma região violenta."

Evidentemente que críticas são esperadas, principalmente se for registrado um aumento no número de casos de covid-19 depois de aglomerações eventualmente precipitadas pela presença do papa. "Por isso será importantíssima toda a logística [de sua agenda]", diz Moraes.

Riscos
Ataques são comuns na região. Em janeiro, um ataque terrorista deixou mais de 30 mortos em Bagdá. Na última quarta (3/3), pelo menos dez foguetes atingiram uma base militar norte-americana de Ain Al Asad. Vaticanistas concordam que esta deve ser a viagem papal mais perigosa do pontificado de Francisco.

"O papa vai a um país um país cujo cenário é de total instabilidade. Isso é muito curioso porque, comumente, a diplomacia pontifícia evita esse tipo de iniciativa quando o quadro político não é favorável. Além disso, é uma viagem perigosa, que foi desaconselhada, inclusive, por membros do alto escalão do Vaticano, sobretudo após os últimos ataques terroristas no centro de Bagdá, em janeiro", diz Medeiros.

"Francisco foi relutante e prometeu até pegar voo comercial caso o Vaticano não se dispusesse a levá-lo", prossegue ela. "A impressão que dá, desde a visita ao Egito, que ocorreu em 2017, é que Francisco considere, sobretudo em países de maioria muçulmana, que sua presença, não só sua mensagem, seja fundamental. Ele já disse que o diálogo não se faz 'no gabinete', à base de eufemismos, mas de maneira concreta."

Ribeiro Neto lembra que os papas "sempre foram orientados a visitar lugares considerados relativamente seguros".

"Mas o Iraque é um país onde a perseguição aos cristãos chega perto do extermínio, onde a possibilidade de garantir a segurança pessoal do papa é muito menor do que nos outros países islâmicos visitados por seus antecessores", avalia.

"Trata-se de um sinal concreto de dirigir-se aos 'últimos dos últimos' entre os cristãos de hoje, aqueles que enfrentam o martírio e a morte física por conta da fé. Além disso, é um gesto destemido, do pastor que está disposto a por sua vida em risco juntamente com o seu rebanho. Por fim, é um gesto de aproximação mais radical, uma declaração de amor fraterno para com os muçulmanos - mesmo que essa declaração implique em por a própria vida em risco."

Para Filipe Domingues, a própria agenda prevista para Francisco denota confiança.

"Como boa parte dos atentados que acontecem lá têm algum viés religiosos, ao encontrar o líder respeitado pelos xiitas ele demonstra que acredita que tudo ficará tranquilo", diz.

Em viagens internacionais, agentes do Corpo de Gendarmeria acompanham o sumo pontífice. Mas a segurança como um todo precisa ser garantida pelo país anfitrião.

"Ele precisa da segurança local e isso coloca a viagem em risco, porque pelo que a gente sabe, acompanhando jornalisticamente, o sistema de segurança iraquiano não é muito confiável", afirma Domingues.

"Francisco sabe dos riscos e mesmo assim decidiu ir."

Há ainda que se considerar a segurança das pessoas ao redor", comenta Domingues.

"Porque vai ter gente na rua, nas igrejas."

O vaticanista acredita, contudo, que tenham havido articulações de bastidores nas lideranças dos diferentes grupos radicais para que tudo transcorra dentro da normalidade.

"É uma dedução. Certamente se houvesse alguma ameaça mais concreta, eles teriam cancelado [a viagem]", diz.

Ribeiro Neto acrescenta que a viagem é um "sinal de coerência pessoal" e de um "seguimento explícito a São Francisco de Assis".

"[O santo] também foi aos muçulmanos num momento de conflito entre eles e os cristãos, colocando sua vida em risco", compara.

"Com essa viagem, é como se Francisco dissesse: 'tudo que eu preguei, eu pratiquei - até mesmo pondo minha vida em risco'. Ele já é um homem idoso, nunca se sabe até quando terá condições físicas de realizar tal viagem. Provavelmente vem daí sua urgência de fazê-la enquanto sabe que tem condições para dar esse testemunho."

O Vaticano deve lançar mão de um automóvel blindado para transportar Francisco — mesmo que ele, pessoalmente, não goste disso. Seja pelo risco de atentados, seja pela questão sanitária, deve ser uma viagem também em que Francisco não poderá quebrar os protocolos, como ele gosta de fazer — abraçando populares, caminhando a pé, interagindo com fiéis.

"Ele deve entender, ver que se trata só do primeiro passo para as coisas maiores que ele almeja", acredita Moraes.

"Estar ali já é uma grande conquista. E ele entende que sua missão não se encerra ali. Ele será mais útil vivo no seio da Igreja Católica do que virando um mártir vitimado, baleado, morto por algum radical numa terra hostil à mensagem cristã."

"[Francisco] sabe que seu ministério no pós-pandemia se inicia desta maneira. A escolha do Iraque demonstra um papa Francisco engajado na reconstrução do mundo", afirma.

"Apesar de sua fama de quebrar protocolos, talvez ele fique mais contido. E a gente espera que, de fato, não aconteça nada."

Callegari, o diretor da ACN, conta que nos últimos dias eles perguntaram ao arcebispo de Erbil, Bashar Warda, sobre a segurança.

"Ele respondeu que 'o papa sabe para onde viaja'", relata.

"O papa entende a importância da sua presença para aqueles que esperam por seu consolo e os cristãos iraquianos esperam há décadas pela visita. Naturalmente uma estrutura de segurança foi montada, mas algum risco sempre existe."

 

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