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Coronavírus: como médicos nos EUA realizaram transplante de pulmões de doador que teve covid-19

Mar 19, 2021

Por BBC Brasil News                                                                                                 

 

Um hospital da cidade americana de Chicago anunciou nesta sexta-feira a realização do que chamou de "um dos primeiros transplantes duplos de pulmão covid para covid", em que tanto o receptor quanto o doador haviam tido a doença.

Segundo o hospital Northwestern Memorial, parte da rede Northwestern Medicine, o doador dos pulmões teve covid-19 e apresentou sintomas considerados "de leves a moderados". Ele se recuperou da doença sem que seus pulmões sofressem danos permanentes, mas posteriormente morreu de outra causa, não relacionada ao coronavírus.

Seus órgãos foram então transplantados para um paciente na casa dos 60 anos que havia sofrido danos irreversíveis nos pulmões em decorrência da covid-19. O hospital informou que o receptor trabalha no setor de saúde e havia sido diagnosticado em maio do ano passado.

O receptor teve um caso grave de covid-19 e chegou a precisar ser ligado a um respirador e a uma máquina de oxigenação por membrana extracorpórea, chamada de ECMO, que atua como coração e pulmões artificiais, oxigenando e circulando o sangue, em casos em que os órgãos do paciente não são capazes de desempenhar essas funções.

Quando os médicos concluíram que os danos em seus pulmões eram irreversíveis, ele entrou na lista de espera para um transplante, onde ficou uma semana até que um doador compatível fosse encontrado.

A cirurgia foi realizada em fevereiro e, segundo o hospital, o paciente é "um dos primeiros sobreviventes de covid-19 nos Estados Unidos a receber pulmões de um doador que se recuperou do vírus".

Testes
"(A cirurgia) é um marco para transplantes de pulmões", diz o médico Ankit Bharat, chefe de cirurgia torácica e diretor cirúrgico do programa de transplantes de pulmões da Northwestern Medicine, que liderou a equipe responsável pela operação.

Bharat lembra que muitos dos mais de 30 milhões de americanos já infectados pelo coronavírus são doadores de órgãos. Segundo o médico, se aqueles que tiveram casos leves ou moderados e se recuperaram não puderem doar, isso poderá representar um "enorme problema".

"Se nós dissermos não a eles simplesmente porque tiveram covid-19 no passado, vamos reduzir drasticamente o número de doadores, quando já há uma enorme diferença entre oferta e demanda", afirma o cirurgião.

Mas transplantes de órgãos em que o doador já teve covid-19 exigem cuidados. No mês passado, o caso de uma mulher que contraiu covid-19 após receber transplante duplo de pulmões contaminados ganhou manchetes e chamou a atenção para a necessidade de realizar testes rigorosos nesse tipo de cirurgia.

Naquele caso, cujos detalhes foram publicados na revista científica American Journal of Transplantation, a receptora, que sofria de doença pulmonar obstrutiva crônica, ficou doente com covid-19 três dias após a cirurgia em um hospital no Estado de Michigan.

Caso de transmissão em Michigan
A doadora do caso de Michigan era uma mulher que teve morte cerebral após um acidente de trânsito e que, segundo sua família, não apresentava nenhum sintoma de covid-19.

Antes da cirurgia, doadora e receptora foram testadas para coronavírus, com resultado negativo. Exames dos pulmões a serem transplantados também não indicaram a presença do vírus.

Mas, após receber os novos órgãos, a receptora começou a apresentar sintomas como febre alta, dificuldade para respirar e sinais de pneumonia nos novos pulmões. Ela foi submetida a um teste nasal, em que uma haste é introduzida no nariz para coletar amostras.

O resultado do teste foi negativo, mas como sua situação continuava a se agravar, com sintomas compatíveis com covid-19, os médicos decidiram testar uma amostra de fluido que havia sido coletado de dentro dos pulmões da doadora, e o resultado foi positivo.

Testes posteriores confirmaram que a paciente havia realmente contraído o coronavírus dos órgãos transplantados. Ela morreu dois meses depois.

O caso de Michigan foi considerado o primeiro dos Estados Unidos em que houve transmissão comprovada por meio de um órgão transplantado, e os autores do artigo ressaltaram a necessidade de realizar testes adicionais em todos os doadores de pulmões para evitar esse tipo de contaminação.

Testes e biópsia
No transplante realizado em Chicago, Bharat diz que sua equipe tomou todos os cuidados para garantir que os pulmões do doador estavam livres do coronavírus. Os médicos testaram fluido dos órgãos, em um procedimento realizado antes de todos os transplantes realizados no hospital durante a pandemia.

Bharat diz que é preciso examinar o fluido dos pulmões porque o teste nasal sozinho não garante que o doador está livre do vírus.

"Estudos demonstram que se seu teste nasal é negativo de 8 a 10 dias depois dos sintomas de covid-19, você não tem vírus nas vias aéreas", afirma o cirurgião. "Mas o teste nasal não confirma se você está livre do vírus nos pulmões."

Na sala de operação, a equipe realizou uma biópsia dos pulmões, para garantir que não havia dano permanente.

"Se o teste nasal e o fluido dos pulmões demonstram que (o doador) está livre do vírus e a biópsia confirma que não há dano permanente aos órgãos, podemos ter confiança na qualidade dos pulmões dos doadores", ressalta Bharat.

O médico diz que a cirurgia foi um sucesso e que o receptor está se recuperando bem. Desde o início da pandemia, Bharat e seus colegas já completaram 14 transplantes duplos de pulmões em sobreviventes de covid-19, entre eles o primeiro a ser realizado nos Estados Unidos, em junho do ano passado.

O médico Michael Ison, especialista em doenças infecciosas e transplantes de órgãos da rede Northwestern Medicine, observa que as regras atuais no país permitem o uso de doadores que tiveram covid-19, desde que já tenham se recuperado e tenha resultado negativo nos testes.

"Mas (apesar disso), no momento, muitos centros de transplante estão preocupados com os riscos de transmissão da covid-19 de doadores, particularmente em transplantes de pulmões, e estão descartando esses órgãos desnecessariamente", afirma Ison.

Segundo ele, o sucesso da cirurgia mostra que, com os cuidados necessários, é seguro usar os órgãos de doadores que tiveram casos de covid-19 leves ou moderados e já se recuperaram completamente.

 

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