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Os países que estão correndo para substituir a importação de fontes de energia da Rússia, como gás e petróleo, por qualquer alternativa de combustível fóssil podem acabar acelerando a "destruição mutuamente assegurada" do mundo por meio da mudança climática, advertiu o secretário-geral da ONU, António Guterres, nesta segunda-feira (21/03).
Para ele, a estratégia das principais potências de buscar todas as opções energéticas possíveis para acabar com a importação de combustíveis fósseis da Rússia devido à invasão da Ucrânia poderia liquidar as esperanças de manter o aquecimento global sob controle. Ele afirmou que o mundo estava "andando como um sonâmbulo para a catástrofe climática".
"Os países poderiam ficar tão consumidos pela lacuna de curto prazo no fornecimento de combustível fóssil que negligenciariam ou colocariam de joelhos as políticas para reduzir o uso de combustíveis fósseis", disse em um vídeo em evento em Londres organizado pela revista The Economist. "Isso é uma loucura. O vício em combustíveis fósseis é uma destruição mutuamente assegurada."
Destruição mutuamente assegurada é um conceito emprestado da doutrina militar, que descreve a situação em que dois inimigos têm bombas nucleares em número suficiente para se destruírem reciprocamente e, portanto, podem preferir optar por não utilizá-las.
A Alemanha, um dos maiores compradores de energia da Rússia, pretende aumentar suas compras de petróleo do Golfo e acelerar a construção de terminais em portos marítimos para receber gás natural liquefeito. Mas o país também busca acelerar a transição para fontes de energia renovável.
Nos Estados Unidos, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, disse no início do mês que a guerra na Ucrânia havia sido um motivo para os produtores americanos de petróleo e gás "irem buscar mais suprimento em nosso próprio país".
Para Guterres, "em vez de frear a descarbonização da economia global, agora é o momento de acelerar rumo a um futuro de energia renovável".
Países ricos x emergentes
O secretário-geral da ONU criticou nominalmente a Austrália e "um punhado de resistentes" por não terem apresentado planos "significativos" para cortar as emissões, e pontuou que países como China, Índia e Indonésia, além de outras "economias emergentes", têm mais dificuldades de fazer compromissos ambiciosos devido às suas necessidades de desenvolvimento e estruturas econômicas.
Ele afirmou ainda que países ricos deveriam oferecer dinheiro, tecnologia e conhecimento para apoiar essas economias emergentes a abrir mão do carvão. "Nosso planeta não tem condições de assistir a um jogo de culpabilização climática. Não podemos ficar apontando dedos enquanto nosso planeta queima." Os países do G20 respondem por cerca de 80% das emissões que provocam o efeito estufa.
Guterres defendeu que países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) deixem de usar o carvão até 2030, e todos os outros países do mundo até 2040. A China e a Índia, que são bastante dependentes dessa fonte de energia, resistem a se comprometer com a meta de restringir o aquecimento a até 1,5 grau Celsius comparado à era pré-industrial. A China, porém, comprometeu-se a alcançar a neutralidade no carbono em 2060, e a Índia, em 2070.
Meta de 1,5 grau "respira por aparelhos"
Os comentários do chefe da ONU foram feitos enquanto cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima da ONU (IPCC) iniciavam uma reunião de duas semanas para finalizar seu último relatório sobre os esforços globais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Um relatório separado, divulgado em fevereiro, apontou que metade da humanidade já está correndo sérios riscos em relação à mudança climática, e que essa parcela aumentará a cada décimo de grau mais quente.
Guterres disse que o objetivo do acordo climático de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius estava "respirando por aparelhos", porque os países não estavam fazendo o suficiente para reduzir as emissões. Cumprir essa meta exigiria uma redução de 45% nas emissões até 2030, e alcançar a neutralidade de carbono até 2050, segundo o IPCC.
Com temperaturas já cerca de 1,2 grau Celsius mais altas agora do que antes da industrialização, cumprir a meta de Paris exigiria um corte de 45% nas emissões globais até 2030, disse ele.
Mas, depois de uma queda das emissões em 2020, no primeiro ano da pandemia, elas voltaram a crescer no ano passado. "Se continuarmos com mais do mesmo, podemos dizer adeus a 1,5 grau", disse. "Até mesmo 2 graus podem estar fora de alcance. E isso seria catastrófico.''
bl/ek (AP, AFP)