Quando se pensa em ameaças nucleares e na guerra na Ucrânia, a maioria considera duas possibilidades: o que aconteceria se ocorresse um acidente em uma usina nuclear ucraniana? E o que aconteceria se uma arma nuclear fosse utilizada?
Mais de um ano após o início da guerra, a usina nuclear de Zaporíjia continua sendo um dos principais alvo de ataques. Bombeiros russos em 9 de março causaram novamente interrupções no fornecimento de energia para a usina. Com isso, geradores a diesel foram acionados para evitar uma catástrofe nuclear.
Desde o início da guerra, o diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, tem pedido a criação de uma zona de proteção em torno da usina, que foi tomada pela Rússia. Depois do ataque mais recente, ele fez um alerta que, se nada for feito para proteger o local, a "sorte acabará um dia".
Para produzir esta reportagem, conversamos com especialistas sobre o impacto que os desastres de Fukushima, no Japão, e de Tchernobil, na Ucrânia, tiveram na saúde das populações vizinhas, e pedimos que explicassem até que ponto essas catástrofes poderiam ajudar a compreender o risco em Zaporíj
A usina de Zaporíjia não fica muito longe da fronteira sul da Ucrânia. Com seis reatores, ela é a maior usina nuclear da Europa. Em 2022, tornou-se a primeira usina nuclear ativa a continuar operando em meio a uma guerra.
Desde que as forças russas a tomaram, em março, muitos europeus têm se perguntado como um potencial acidente na área poderia ser comparado ao de Tchernobil, em 1986 – um evento que por décadas foi considerado o pior acidente nuclear da história. O desastre de Tchernobil liberou radiação por todo o continente e contaminou humanos, plantas e animais.
Nos três meses seguintes ao acidente na usina soviética, mais de 30 trabalhadores morreram como consquência direita dele. Um relatório publicado pelo Fórum de Tchernobil, um grupo de agências da ONU formado em 2003 para avaliar as consequências sanitárias e ambientais do desastre, sugeriu, em 2006, que ele ainda causaria ao menos 4 mil mortes por câncer no longo prazo, embora essa estimativa seja contestada.
Controvérsia sobre efeitos de Thernobil
Alguns especialistas dizem que o real impacto de Thernobil foi mascarado por autoridades soviéticas numa tentativa de minimizar sua gravidade. É o que acredita a professora Kate Brown, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Ela conduziu uma extensa pesquisa sobre o impacto que a radiação teve sobre a saúde das pessoas na Ucrânia e nos países vizinhos desde o acidente.
Em um relatório do Greenpeace publicado em 2006, pesquisadores estimaram o número de mortes em consequência do desastre em cerca de 90 mil – mais de 20 vezes mais do que havia sido sugerido pelo relatório do Fórum de Thernobil.
Edwin Lyman, físico e diretor de Segurança de Energia Nuclear da Union of Concerned Scientists, com sede nos Estados Unidos, diz que "não considera o relatório do Fórum de Thernobil confiável".
Lyman afirma que esse levantamento baseou suas projeções de morte por câncer apenas em casos dentro da antiga União Soviética, ignorando populações de outras partes da Europa e do Hemisfério Norte.
O relatório original sobre Thernobil e o seu impacto na saúde, conduzido por agências da ONU e publicado em 1988, abordou a exposição global à radiação em resposta ao acidente, e estimou que ela responderia, no fim, por 30 mil ou mais mortes por câncer, segundo Lyman.
"A questão fundamental é acreditar ou não que exposições de baixo nível [à radiação] causam câncer – e o consenso mundial entre os especialistas é de que sim. O Fórum de Thernobil afirma essencialmente o contrário", diz, chamando o estudo de um "documento altamente político com conclusões que foram cuidadosamente massageadas para minimizar os impactos do acidente".