Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se em Brasília nesta segunda-feira (12/06) com Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o braço executivo da União Europeia (UE), e após o encontro reforçou pontos de resistência de Brasília para a conclusão do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.
O primeiro deles é uma carta (side letter) enviada pela UE ao Mercosul em março, que pede a inclusão de mais compromissos ambientais e sanções por descumprimento no texto do acordo, que não foi bem recebida em Brasília. O acordo Mercosul-UE foi assinado em 2019, após 20 anos de negociação, mas ainda precisa ser ratificado por todos os Estados-membros.
A carta da UE foi preparada ainda em um contexto de preocupações com o compromisso do então governo Jair Bolsonaro em combater o desmatamento, mas também de pressão de setores da agropecuária europeia receosos com o possível aumento das importações do Mercosul.
Em uma declaração conjunta após a reunião, Lula afirmou ter expressado a Von der Leyen as "preocupações" do Brasil com essas novas demandas da UE, que "ampliam as obrigações do Brasil e as torna objeto de sanções em caso de descumprimento". "A premissa que deve existir entre parceiros estratégicos é a da confiança mútua e não de desconfiança e sanções", afirmou o petista.
O brasileiro também afirmou que a UE aprovou recentemente leis próprias "com efeitos extraterritoriais e que modificam o equilíbrio do acordo", em uma provável referência implícita à lei antidesmatamento aprovada em abril pelo bloco europeu que bane importação de produtos oriundos de áreas desmatadas da Amazônia.
"Essas iniciativas representam restrições potenciais às exportações agrícolas e industriais do Brasil", afirmou Lula.
O petista também reafirmou sua oposição a um dispositivo do acordo sobre compras governamentais, que autorizaria empresas europeias a participarem de licitações públicas nos países do Mercosul em condições de igualdade com as empresas locais. Segundo o brasileiro, isso prejudicaria as pequenas e médias empresas no Brasil.
Lula citou que a Europa e os EUA vêm retomando a atuação do Estado para incentivar o setor industrial com "programas bilionários de subsídios", e que o Brasil tinha ambições similares para reverter seu grave processo de desindustrialização. "Por isso, o Brasil manterá o poder de conduzir as políticas de fomento industrial por meio do instrumento das compras públicas", afirmou.
"UE espera resposta", diz Von der Leyen
A presidente da Comissão Europeia, por sua vez, disse que a UE está empenhada em fortalecer as parcerias com o Brasil, seja por aportes do programa Global Gateway, investimentos privados ou contribuições dos países-membros do bloco, e mencionou apoio ao combate ao desmatamento e investimentos para a produção de hidrogênio verde no Brasil.
Ela disse que o bloco espera concluir o acordo Mercosul-UE até o final do ano, e defendeu que o instrumento irá colaborar para a reindustrialização do Brasil ao inserir o país em novas cadeias de suprimento e facilitar a atração de novos investimentos. Sobre a carta com pedidos de novos compromissos ambientais, Von der Leyen disse que o bloco aguarda com expectativa a resposta do Mercosul, "para saber onde temos que dar um passo em direção um ao outro".
A União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com negócios que podem ultrapassar a marca de 100 bilhões de dólares este ano, segundo Lula.
Por outro lado, o Brasil é o maior destino do investimento estrangeiro direto dos países da União Europeia na América Latina, que se concentram nos setores de manufatura, infraestrutura digital e serviços.
Doação de R$ 100 milhões para Fundo Amazônia
Após o encontro, Von der Leyen anunciou uma doação de 20 milhões de euros (cerca de R$ 100 milhões) para o Fundo Amazônia, além das contribuições separadas feitas por países-membros da UE, em especial a Alemanha e a Noruega.
O plano de investimento internacional da UE prevê o repasse de mais de 400 milhões de euros para ações de combate ao desmatamento e ao uso inadequado da terra na Amazônia.
Em sua fala, Von der Leyen saudou as políticas do governo Lula sobre mudanças climáticas e pelos projetos para acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia.
Guerra na Ucrânia
Além de comércio e meio ambiente, Lula e Von der Leyen – a primeira chefe da Comissão Europeia a ir ao Brasil em dez anos – discutiram a guerra na Ucrânia.
A UE e seus países-membros têm fornecido grande apoio financeiro e militar para Kiev, enquanto o Brasil adota uma política de neutralidade – Brasília condenou a invasão russa em resoluções da ONU, mas não aplica sanções contra Moscou, e Lula vem tentando se envolver na busca de uma solução negociada para o fim do conflito, não sem receber críticas de analistas e autoridades do Ocidente, que avaliaram o governo brasileiro como pró-Moscou em alguns momentos.
O presidente brasileiro voltou a frisar que, na sua opinião, "não há solução militar para esse conflito". "Precisamos de mais diplomacia e menos intervenções armadas na Ucrânia, na Palestina, no Iêmen. Os horrores da guerra e o sofrimento que ela provoca não podem ser tratados de forma seletiva", disse.
Já Von der Leyen frisou que a invasão da Rússia representa uma clara ameaça ao direito internacional e à carta das Nações Unidos, ao violar o respeito à soberania e à integridade territorial, e disse esperar que o Brasil auxilie na solução do confronto por meio da atuação em órgãos multilaterais.
Visita antecede cúpula UE-Celac em Bruxelas
Após a visita ao Brasil, Von der Leyen também se reunirá com os presidentes da Argentina, Alberto Fernández, na terça-feira em Buenos Aires, do Chile, Gabriel Boric, na quarta-feira em Santiago, e do México, Andrés Manuel López Obrador, na quinta-feira na Cidade do México.
A viagem serve de preparativo para uma cúpula entre a UE e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que será realizada em 17 e 18 de julho em Bruxelas.
Na semana passada, a Comissão Europeia lançou uma estratégia para renovar seus laços com a América Latina. O chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, afirmou que, embora o bloco europeu e os 33 países da América Latina e Caribe tenham "uma história comum e valores compartilhados, essa parceria foi subestimada ou, até mesmo, negligenciada". Ele destacou que as relações comerciais permanecem fortes, mas a cooperação política ficou pelo caminho.
Segundo Borrell, a UE nos últimos anos estava preocupada com migração e Brexit, mas a ascensão da China e a invasão da Ucrânia pela Rússia, que vêm reconfigurando a ordem mundial, reajustaram o foco do bloco para a América Latina.
le/bl (ots, DW, Agência Brasil)