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As mulheres no Irã que se arriscam a ir para a cadeia ao se negar a cobrir cabelo

Set 13, 2024

Por BBC News Brasil                                                                          

A morte de Mahsa Amini, em 2022, gerou indignação global contra a repressão às mulheres no Irã

Dois anos depois de Mahsa Amini, de 22 anos, morrer após entrar em coma sob custódia policial, e dos protestos que se seguiram no Irã, muitas mulheres continuam desafiando o rigoroso código de vestimenta do país. Mas o retorno da polícia da moralidade às ruas e novas punições para quem desrespeitar as regras renovam os esforços das autoridades iranianas para controlar o que as mulheres vestem.

“De início, eu ansiosamente arregacei um pouco as mangas. Depois, gradualmente, deixei os botões do meu sobretudo abertos. Eventualmente, o lenço em volta do meu pescoço tornou-se apenas um pedaço de tecido sem sentido.”

Rojin, 36 anos, é uma das mulheres que pararam de seguir o rigoroso código de vestimenta do Irã nos últimos dois anos, apesar dos riscos. Recusar-se a usar o hijab (lenço de cabeça) em público pode levar a multas e prisão. O termo "atos diários de resistência" foi cunhado nas redes sociais por mulheres iranianas para descrever este e outros gestos de desobediência.

Rojin diz que parte do medo que as mulheres tinham de serem punidas “desapareceu”. Na cidade onde mora, Sanandaj, na província do Curdistão, ela diz que virou normal ver mulheres e meninas sem o hijab. “Você não consegue imaginar mais as ruas sem os cabelos soltos das meninas.”

Mahsa Amini morreu após ser presa pela polícia da moralidade por supostamente violar regras do uso do hijab. Testemunhas relataram, na época, tê-la visto sendo espancada dentro de uma van policial. O Irã negou reiteradamente ter causado sua morte, atribuída a um problema cardíaco repentino.

Mas em março, uma missão de investigação da ONU disse ter encontrado evidências de trauma no corpo de Masha, sofrido enquanto ela estava sob custódia policial, levando a missão a concluir que Masha morreu em decorrência de violência física.

A morte causou indignação generalizada contra a polícia da moralidade e o establishment clerical do país. E por mais que os protestos tenham diminuído após forte repressão das forças de segurança, para muitos no Irã a morte de Masha representou um ponto de virada.

A BBC Persa conversou com 18 mulheres de diferentes partes do país para entender o que mudou desde então. Estamos usando pseudônimos para protegê-las.

Todas concordam que não há como voltar a como as regras eram aplicadas antes da morte de Masha, mas também falaram dos esforços renovados das autoridades para aplicar regras, que determinam que as mulheres devem cobrir seus cabelos com hijab e usar roupas longas e largas para disfarçar suas curvas.

As patrulhas da polícia moral do Irã foram retomadas no ano passado após uma pausa gerada pela repercussão da morte de Masha. Câmeras de vigilância capazes de detectar mulheres sem hijab foram instaladas nas ruas e no transporte público.

Agora, carros com motoristas ou passageiras com cabelos descobertos podem ser confiscados. E, no ano passado, próximo ao aniversário da morte de Masha, o parlamento do Irã aprovou um polêmico projeto de lei que aumentaria as penas de prisão e multas para mulheres e meninas que violassem o código de vestimenta.

Agora, aquelas que estiverem vestidas "de forma inadequada" enfrentam a possibilidade de até 10 anos de prisão — para os quais foi acordado um "julgamento" de três anos — embora, por enquanto, a implementação tenha sido pausada devido a objeções do Conselho dos Guardiões do país.

Várias mulheres com quem falamos dizem que planejam seus trajetos diárias de forma a evitarem serem detectadas. Sara K, 26, de Mahabad, diz: "Às vezes, pego os becos, o que torna o caminho mais longo, ou, em ruas onde sei que há câmeras, abaixo o quebra-sol (do carro) para esconder meu rosto."

"O medo que o governo incutiu em nós — de que se você sair sem um hijab, será presa, forçada a assinar um termo de compromisso (por escrito de não quebrar a lei do hijab novamente), multada ou ter seu carro apreendido — faz com que a sociedade patriarcal pressione novamente as mulheres a cumprirem a regra de uso do hijab."

A ofensiva relacionada ao código de vestimenta intensificou as divisões sobre o tema.

Enquanto alguns homens permanecem agindo em solidariedade às mulheres — ajudando-as, por exemplo, a fugir da polícia da moralidade — outros contribuem para garantir o cumprimento das regras.

Shadi, de Karaj, acredita que as tensões em torno do hijab aumentaram no ano passado.

Ela observa que alguns homens que apoiavam as mulheres agora estão mais propensos a criticar a escolha das roupas. O que Shadi atribui ao retorno da polícia da moralidade, à introdução de multas e à ameaça de fechamento de empresas que atendem mulheres consideradas violadoras do código de vestimenta.

Como resultado, ela escolhe roupas que permitem manter sua liberdade sem gerar problemas.

"Para evitar conflitos, tive que jogar um lenço em volta do pescoço, embora não acredite no hijab. Além dos avisos da polícia da moralidade, é frustrante quando pessoas comuns — motoristas de táxi, funcionários de cafés ou outros — me lembram disso."

Relatos de mulheres sendo presas, espancadas e multadas por não obedecerem às regras preocupam as famílias preocupadas com filhas determinadas a seguir no caminho escolhido apesar dos riscos.

"A prisão e a multa de mulheres não afetam apenas o indivíduo — tornam-se um problema para toda a família. Já vi muitos casos em que as famílias, de diferentes maneiras, tentam convencer suas filhas a usar o hijab fora de casa," diz Rojin.

Reza, um advogado de 40 anos, de Teerã, diz saber de funcionários do sistema de justiça que usam os dados pessoais das mulheres de forma indevida.

"Em alguns casos, gerentes de escritório e funcionários do tribunal pegam os números de telefone das mulheres sob o pretexto de ajudá-las e flertam através de ligações até que o caso seja resolvido. As clientes, não tendo outra escolha, muitas vezes sentem-se forçadas a entrar no jogo para que o caso seja encerrado."

O rigoroso código de vestimenta do Irã remonta ao início dos anos 1980.
O país do Oriente Médio tornou-se uma república islâmica durante a revolução de 1979, quando a monarquia foi derrubada e os clérigos assumiram o controle político sob a liderança do aiatolá Khomeini.

Logo após assumir o poder, ele decretou que todas as mulheres deveriam usar o véu — independentemente de religião ou nacionalidade — e introduziu uma série de restrições às suas liberdades.

A polícia da moralidade — conhecida formalmente como "Gasht-e Ershad" (Patrulhas de Orientação) — tem a tarefa, entre outras coisas, de garantir que as mulheres estejam em conformidade com a interpretação das autoridades sobre o que são roupas "adequadas".

Os policiais têm o poder de parar as mulheres e avaliar se elas estão mostrando muito cabelo; se suas calças e sobretudos são muito curtos ou justos; ou se estão usando muita maquiagem.

Em 2014, as mulheres iranianas começaram a compartilhar fotos e vídeos de si mesmas desrespeitando publicamente as leis do hijab como parte de um protesto online chamado "Minha Liberdade Furtiva". Outros movimentos surgiram desde então, como "Quartas-feiras Brancas" e "Meninas da Rua da Revolução".

As pressões que as mulheres enfrentam e as atitudes para mudar diferem pelo país.

Mas até mesmo áreas mais conservadoras viram uma mudança.

Sanaz, de Mashhad, uma cidade conhecida como um local de peregrinação religiosa, diz que costumava haver um “ambiente muito rigoroso” sobre o uso do hijab, mas a partir de 2022 as meninas começaram a aos poucos sair sem ele.

"É claro que varia de bairro para bairro. Em ruas como Vakilabad, Ahmadabad e Hashemieh, as mulheres são mais livres, mas em áreas como o entorno do santuário e Ferdowsi Boulevard, por causa do ambiente religioso, menos mulheres andam sem hijabs", diz ela.

Mas embora algumas mulheres tenham ficado mais ousadas em Mashhad, e não haja patrulhas da polícia da moralidade na cidade, alguns civis agem como aplicadores das regras, diz Sanaz.

E apesar dos riscos significativos que enfrentam, as mulheres com quem a BBC falou insistem que continuarão a desafiar o código de vestimenta do país.

"Tendo experimentado um grau de liberdade neste país, vou continuar", diz Shadi.

 

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