“Começo a fazer fila às quatro e meia da manhã. Espero até que às seis distribuam as senhas e vou para minha casa esperar. Às oito abrem o mercado e compro o que está à disposição naquele dia”, conta Manuel Ochoa, 42 anos, mototaxista e morador de Ciudad Caribia, uma cidade construída do zero pelo governo venezuelano a mais de mil metros de altitude. “Há quatro anos faço fila, mas de dois meses para cá a coisa piorou muito”, lamenta. Ele diz que vai votar pelo chavismo nas próximas eleições, que irão eleger 167 deputados para a Assembleia Nacional. “Sabemos que há desestabilização, que muita gente contrabandeia os produtos. Há problemas. Mas no domingo votaremos por Chávez”, diz.
Faltando exatamente três dias para as eleições legislativas venezuelana, pelas ruas de Caracas o que se escuta é que se trata do momento mais importante para a Revolução Bolivariana desde a chegada de Hugo Chávez ao poder. O próprio presidente do país, Nicolás Maduro, afirmou que essas podem ser as eleições “mais difíceis” da história do chavismo. “Precisamos de uma grande vitória popular para abrir o caminho. Para acabar, desde a raiz, de forma absoluta e profunda com os elementos da guerra econômica”, afirmou o mandatário.
Em meio a um cenário de forte crise econômica e da sentida ausência de Chávez — falecido há quase três anos —, os mais de 19 milhões de venezuelanos aptos a votar não escolherão somente os novos deputados à Assembleia Nacional. Mas também qual será a próxima etapa de um processo iniciado há mais de 16 anos e que se mantém como um bastião para a esquerda latino-americana.
Nas últimas semanas, diversas pesquisas de intenção de voto divergiram quanto ao resultado deste domingo (06/12): algumas apontam vitória da oposição, enquanto outras indicam um crescimento do chavismo. Há tempos essas medições são desacreditadas por ambos lados, porém, é fato que a lógica de que, o mau momento da economia, e outros problemas, como os altos índices de violência, não significaria uma debandada do voto chavista para o lado opositor.
O diretor da consultora Hinterlaces Oscar Schémel disse que, devido às transformações proporcionadas pelo chavismo na sociedade venezuelana, essa força eleitoral vai muito além da “avaliação de uma gestão” e se configura como uma força “social, política, simbólica e cultural”. Na leitura de Schemel, a Venezuela é “culturalmente chavista” e quer uma retificação e não uma mudança de modelo.
O instituto Datanalisis, dirigido pelo analista de tendência opositora Luis Vicente León, publicou esta semana que a popularidade de Maduro saltou mais de 11 pontos, passando a 32,3% no final de novembro, em um movimento que demonstra um cenário menos otimista para a MUD (Mesa de Unidade Democrática, coalizão de partidos opositores).
Guerra econômica
De fato, o resultado da eleição é incerto. Mas os desafios do momento atual pelo qual passa a Venezuela podem ser vistos em uma curta caminhada pelo centro da capital. Em Parque Central, as filas quilométricas começam desde muito cedo. Ali, há uma unidade do supermercado Bicentenário, controlado pelo governo. As pessoas trazem bancos, tricô e diversos outros recursos para amenizar a espera, que pode chegar a até oito horas. Perto dali, em Las Palmas, outra fila que se formava desde as primeiras horas do dia dobra quarteirões. Havia a informação de que nesta quarta-feira (02/12) havia ampla oferta de arroz. Todos então se dispuseram a esperar horas e horas para comprar o alimento.
O chavismo sublinha que o principal motivo para esse cenário é uma guerra econômica focada na especulação de preços e na estocagem de produtos. De fato, o governo venezuelano promoveu nos últimos anos diversas ações surpresa em armazéns ao redor do país, encontrando toneladas de alimentos — sobretudo os de primeira necessidade, como farinha de trigo, leite e açúcar — escondidos e alguns com a data de validade expirada.
Além disso, a falta de itens nos mercados fez crescer a ação dos chamados “bachaqueros”, o que na gíria venezuelana denomina revendedores que adquirem produtos para depois vendê-los a um preço mais alto. Um dos focos de atuação desses indivíduos é a fronteira com a Colômbia. Este ano, Maduro ordenou o fechamento na divisa com os estados de Táchira e Zulia justamente para combater o contrabando. Já a oposição reclama do controle de câmbio e de uma suposta insuficiência de dólares para importar produtos. O foco da campanha da MUD é retratar o governo de Maduro como ineficiente e torpe no manejo da economia.
Matriz produtiva
Na opinião do analista espanhol Alfredo Serrano, a economia venezuelana ainda sofre pelo fato de as demandas estruturais não serem atendidas na mesma velocidade das urgências que se apresentam no cotidiano, em um país de variedade produtiva baixa. O petróleo, aqui, segue sendo quem dita os rumos da economia. “A meta estratégica é produzir mais, de forma mais eficaz, e com outro padrão produtivo, de tal forma que as pequenas e médias empresas participem e onde o poder comunal tenha um papel protagônico”, aposta.
A necessidade de diversificação da matriz produtiva foi foco recentemente de um relatório da CEPAL. A secretária executiva do organismo, a mexicana Alicia Bárcena, afirmou na ocasião que a Venezuela é um país “que nos últimos anos melhorou muitíssimo todos seus indicadores sociais, mas deve reduzir sua dependência do exterior”, em referência à histórica baixa do preço do barril de petróleo e às importações venezuelanas.
“Acho que o governo deveria ser mais agressivo, ir mais a fundo, no combate ao contrabando, ao ‘bachaqueo’”, afirma Ochoa, pouco antes de voltar à sua casa e às vésperas de outro dia de fila. Assim como ele, milhões de outros venezuelanos que enfrentam as longas filas para comprar alimentos irão votar no domingo conforme sua preferência política, seus motivos, porém, não deixando de lado a preocupação com o atual momento.